Conhecer para preservar: a
educação patrimonial como um instrumento para preservação de bens materiais e
imateriais
(texto originalmente produzido para a Revista Pedagógica do IEMG)
Ronaldo Campos
Imaginar como era a cidade de
Belo Horizonte na época da sua fundação é uma tarefa quase impossível para
grande parte das pessoas. Isto por que com uma velocidade impressionante, em um
curto espaço de tempo, a capital de Minas sofreu profundas e radicais modificações.
Pouca coisa restou dos seus primeiros tempos. Os raros vestígios que
permaneceram nos permite recriar o passado e ajudam na construção da nossa
identidade como grupo. Esses são denominados pelos pesquisadores através da
expressão “fontes históricas”.
Os historiadores definem as
fontes históricas como tudo aquilo que o ser humano diz ou escreve, tudo aquilo
que fabrica ou que carrega em si os traços da sua presença no mundo e que nos
proporciona compreender o passado. Esses vestígios englobam os mais variados
formatos como a literatura (fontes escritas), as imagens (fontes pictóricas),
os depoimentos (fontes orais) e a cultura material (fontes materiais) e
permitem estudar o cotidiano, a memória, o imaginário, a alimentação, as
tradições, o aprendizado, a cultura, as artes, a arquitetura, a sociedade, etc.
Nos dias atuais, não há uma
hierarquização entre as fontes de pesquisa. Todas são fundamentais para os
estudos históricos. Para
se compreender a história de uma cidade, de um bairro ou de uma escola,
por exemplo, as
fontes orais são tão
importantes quanto as fontes escritas (os documentos oficiais). Muitas
informações que não foram registradas em livros ou em outros documentos
oficiais podem ser obtidas a partir do testemunho dos indivíduos que viveram
e\ou conhecem a história desses lugares. O mesmo pode ser aplicado aos outros
tipos de fontes (fontes visuais e materiais)
Não há uma fonte histórica
totalmente imparcial ou isenta de qualquer tipo de subjetividade. Todos os
vestígios do passado carregam no seu bojo as influências da cultura, da
religião, da educação e das experiências vivenciadas por aqueles que os
construiram. Pois, o ser humano não vive isolado numa ilha, ele precisa da
socialização para ser quem ele de fato é.
Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em
contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. O “mundo no qual
transcorre a vita activa consite em
coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que
devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus
atores humanos.” (ARENDT, 2004, p.17)
Grande parte dos vestígios do
passado formam o patrimônio cultural de um povo (bens culturais) e permitem aos
historiadores reconstruir a trajetória daquele grupo e a identidade (individual
ou coletiva) nos seus aspectos político, etnico, religioso, etc). “Não há
identidade sem memória e, portanto, sem história.” (KOJIO, p. 3231) Sem passado a história não existe. E sem memória não há
nem passado nem cultura e civilização. Pois, nos
conhecemos e reconhecemos através daquilo que lembramos, dos registros que
fazemos de fatos passados, de objetos e coisas que nos são caras, que nos
identificam socialmente. Neste sentido, podemos perceber a importância para o
nosso grupo social e a nossa identidade cultural da preservarção de bens e
patrimônios que nos identifica e dá sentido a nossa história e a nossa cultura.
Definição de Patrimônio Cultural
O termo “patrimônio” é formado
por dois vocábulos de origem grega: pater
e nomos. O primeiro
etimologicamente significa chefe de família e, em um sentido mais amplo, pode
ser traduzido como “os nossos antepassados”. Relaciona-se aos bens material ou
imaterial legados por um grupo social. O segundo termo, nomos, significa lei, usos e costumes que estão relacionados a
história de uma família ou cidade. Em suma, o patrimônio tem uma relação direta
e permanente com os elementos originários responsáveis pela fundação da
sociedade.
O patrimônio é parte da nossa cultura e inclui
tudo o que herdamos do passado e tudo o que elaboramos no presente. Pode ser
material ou imaterial, tomado individualmente ou em conjunto. Possui na sua
estrutura elementos de referência à identidade, à ação, à memória dos vários
grupos que formam nossa sociedade. De acordo com o decreto lei número 25,
datado de 30 de novembro de 1937, o patrimônio cultural pode ser entendido como
o conjunto de bens móveis e móveis existentes no país cuja conservação seja
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
O vocábulo “cultural” é um
adjetivo que se refere à cultura. Em seu sentido mais amplo, é empregado para
significar a soma total das criações humanas, ou seja, cultura é o resultado
organizado da experiência de um grupo social, povo ou etnia: tudo aquilo que o
ser humano (homem e mulher) é, faz e pensa. Inclui os modos de ser e de agir,
costumes, regras, leis, liguagem, religião, ritos, celebrações, músicas,
tradições, danças, vestuário, culinária, ou seja, é a forma através da qual o
ser humano age socialmente e interage com o meio (mundo) onde se insere. É um
processo em transformação constante, bastante diversificado e muito rico em
possibilidades.
O processo cultural gera
produtos: os bens culturais. Estes permitem ao
ser humano o conhecimento e a consciência de si mesmo, e do ambiente que o
cerca. O valor de um bem cultural está no seu poder de estimular a
memória das pessoas historicamente vinculadas à comunidade, contribuindo para
garantir sua identidade cultural e melhorar sua qualidade de vida. Os bens
culturais são bens públicos que fazem parte da formação identitária do nosso
povo e que está presente tanto no dia a dia das pessoas comuns como na esfera
pública.
O conjunto de bens
culturais pode ser dividido tangíveis,
intangíveis e naturais. Os primeiros, os bens cultuais tangíveis são
aqueles que por terem materialidade podem ser tocados. Por exemplo, os
monumentos, o mobiliário, as imagens religiosas, os vestígios arqueológicos,
etc. Em seguida, temos os bens intangíveis
que possuem uma existência imaterial. Por exemplos: as comemorações
cívicas, as teorias cientlificas e filosóficas, os ritos e as musicas, os
padrões de comportamento, etc. Por fim, temos os bens naturais. São elementos
da natureza que possuem uma representatividade (um significado) importante para
a sociedade. Por exemplo, a Serra do Curral é um bem natural para os
belorizontinos. Assim, como a Lagoa Rodrigues de Freitas, o Corcovado e a
Floresta da Tijuca são bens cultuais naturais para os cariocas.
O que é educação patrimonial?
A cultura e
memória de um povo são os principais fatores de sua coesão e identidade.
Fundamentais para o senso de cidadania, esses dois fatores são também
responsáveis por relacionar as pessoas à noção de pertencimento,
compartilhamento e de identidade.
Os bens
culturiais são os legados que recebemos do passado, vivemos intensamente no
presente e devemos transmitir às futuras gerações. “O patrimônio histórico
materializa e torna visível esse sentimento ecoado pela cultura e pela memória.
Assim, permite a construção de identidades coletivas, fortalescendo os elos das
origens comuns, passo decisivo para a continuação e a sobrevivência de uma
comunidade.” (GESTOR, 2002, p.22) Se não houver a preservação dos bens
culturuais, nada teremos para transmitir como história, memória e identidade,
isto é, a atuação social e educativa no tema da
preservação dos bens culturais coletivos é de de suma importância.
Preservar
significa garantir a continuidade física
ao patrimônio edificado histórico ou ambiental, das coleções artísticas e dos
mobiliários, dos jardins e dos parques históricos, das esculturas, dos arquivos
de interesse histórico e dos usos, costumes e manifestações culturais. Há
várias formas para garantir a preservação dos bens culturais, entre elas, temos
a educação patrimonial.
De acordo com o Guia Básico da Educação Patrimonial
(HORTA, 1999), a educação patrimonial é um processo permanente e sistemático de
trabalho educacional tendo como centro a ideia de Patrimônio Cultural como
fonte primária do enriquecimento individual e coletivo. Deve ser desenvolvida
segundo dois parâmetros: a educação para a integração e a preservação do
patrimônio cultural. De acordo com Horta (1999), a partir da experiência e do
contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos as suas
características, significados e sentidos, o trabalho da Educação Patrimonial
busca levar crianças e jovens a um processo ativo de conhecimento, apropriação
e valorização de sua herança cultural. O que também irá capacitá-los para um
uso mais adequado dos bens culturais da sua sociedade. Propiciando a criação de
novos saberes em um processo continuado de criação cultural. Em suma, graças a
educação patrimonial é possível preservar e garantir o direito ao acesso à
memória individual e coletiva, elemento importante para garantir o pleno
exercício da cidadania e para assegurar a conscientização do nosso lugar e do
nosso papel no mundo.
A educação patrimonial
possibilita descobrir aquilo que queremos construir, preservar e deixar como legado
para os nossos descendentes ao identificar e proteger aqueles bens culturais
que representam a nossa memória, a nossa história e os nossos valores. Neste
sentido, a educação patrimonial tem uma função estruturante no processo de
formação do cidadão.
Pode-se entender a educação
patrimonial como uma espécie de “alfabetização cultural” que tem o papel de
criar as condições para ler (entender) o mundo no qual estamos inseridos.
Possibilitando compreender o universo sociocultural e da trajetória tempo\espaço
em que está inserido. O que levará por sua vez ao aumento da auto-estima das
pessoas e do grupo e à valorização da sua cultura (no nosso caso cultura
brasileira) que é vista como múltipla e plural.
Como e por que perservar o patrimônio cultural da nossa cidade?
A preservação dos nossos bens
culturais está diretamente relacionada a manutenção da nossa identidade
cultural. O objeto imediato desse processo é a continuidade físca do patrimônio
edificado, histórico ou ambiental, das coleções artísticas, dos mobiliários,
dos jardins, parques, sítios arqueológicos, dos costumes, hábitos e
manifestações culturais, para garantir o sentimento de pertencimento de um
grupo a uma comunidade ou lugar, promovendo a melhoria da qualidade de vida das
sociedades, através do bem estar material e espiritual que possibilita o exercício
da memória e da cidadania. É importante nos sentirmos parte integrante de um
grupo ou cultura para valorizar as referências culturais, integrando-se aos
processos de preservação dos elementos que formam a memória local percebida no
patrimônio cultural.
É dever de todos preservar os
bens culturais em sua totalidade, o que exige uma metodologia de intervenção
capaz de respeitar os elementos componentes do patrimônio cultural. Mas para
que isso ocorra os membros da comunidade devem reconhecer esse bem cultural
como parte importante da sua história. É preciso conhecer a história e saber
que elas fazem parte do cenário social da sua comunidade.
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