quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Conhecer para preservar: a educação patrimonial como um instrumento para preservação de bens materiais e imateriais - texto originalmente produzido para a Revista Pedagógica do IEMG

Conhecer para preservar: a educação patrimonial como um instrumento para preservação de bens materiais e imateriais 
(texto originalmente produzido para a Revista Pedagógica do IEMG)
Ronaldo Campos


Imaginar como era a cidade de Belo Horizonte na época da sua fundação é uma tarefa quase impossível para grande parte das pessoas. Isto por que com uma velocidade impressionante, em um curto espaço de tempo, a capital de Minas sofreu profundas e radicais modificações. Pouca coisa restou dos seus primeiros tempos. Os raros vestígios que permaneceram nos permite recriar o passado e ajudam na construção da nossa identidade como grupo. Esses são denominados pelos pesquisadores através da expressão “fontes históricas”.
Os historiadores definem as fontes históricas como tudo aquilo que o ser humano diz ou escreve, tudo aquilo que fabrica ou que carrega em si os traços da sua presença no mundo e que nos proporciona compreender o passado. Esses vestígios englobam os mais variados formatos como a literatura (fontes escritas), as imagens (fontes pictóricas), os depoimentos (fontes orais) e a cultura material (fontes materiais) e permitem estudar o cotidiano, a memória, o imaginário, a alimentação, as tradições, o aprendizado, a cultura, as artes, a arquitetura, a sociedade, etc.
Nos dias atuais, não há uma hierarquização entre as fontes de pesquisa. Todas são fundamentais para os estudos históricos. Para se compreender a história de uma cidade, de um bairro ou de uma escola, por exemplo, as fontes orais são tão importantes quanto as fontes escritas (os documentos oficiais). Muitas informações que não foram registradas em livros ou em outros documentos oficiais podem ser obtidas a partir do testemunho dos indivíduos que viveram e\ou conhecem a história desses lugares. O mesmo pode ser aplicado aos outros tipos de fontes (fontes visuais e materiais)
Não há uma fonte histórica totalmente imparcial ou isenta de qualquer tipo de subjetividade. Todos os vestígios do passado carregam no seu bojo as influências da cultura, da religião, da educação e das experiências vivenciadas por aqueles que os construiram. Pois, o ser humano não vive isolado numa ilha, ele precisa da socialização para ser quem ele de fato é.  Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência. O “mundo no qual transcorre a  vita activa consite em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus atores humanos.” (ARENDT, 2004, p.17) 
Grande parte dos vestígios do passado formam o patrimônio cultural de um povo (bens culturais) e permitem aos historiadores reconstruir a trajetória daquele grupo e a identidade (individual ou coletiva) nos seus aspectos político, etnico, religioso, etc). “Não há identidade sem memória e, portanto, sem história.” (KOJIO, p. 3231) Sem passado a história não existe. E sem memória não há nem passado nem cultura e civilização. Pois, nos conhecemos e reconhecemos através daquilo que lembramos, dos registros que fazemos de fatos passados, de objetos e coisas que nos são caras, que nos identificam socialmente. Neste sentido, podemos perceber a importância para o nosso grupo social e a nossa identidade cultural da preservarção de bens e patrimônios que nos identifica e dá sentido a nossa história e a nossa cultura.

Definição de Patrimônio Cultural

O termo “patrimônio” é formado por dois vocábulos de origem grega: pater e nomos. O primeiro etimologicamente significa chefe de família e, em um sentido mais amplo, pode ser traduzido como “os nossos antepassados”. Relaciona-se aos bens material ou imaterial legados por um grupo social. O segundo termo, nomos, significa lei, usos e costumes que estão relacionados a história de uma família ou cidade. Em suma, o patrimônio tem uma relação direta e permanente com os elementos originários responsáveis pela fundação da sociedade.
 O patrimônio é parte da nossa cultura e inclui tudo o que herdamos do passado e tudo o que elaboramos no presente. Pode ser material ou imaterial, tomado individualmente ou em conjunto. Possui na sua estrutura elementos de referência à identidade, à ação, à memória dos vários grupos que formam nossa sociedade. De acordo com o decreto lei número 25, datado de 30 de novembro de 1937, o patrimônio cultural pode ser entendido como o conjunto de bens móveis e móveis existentes no país cuja conservação seja interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
O vocábulo “cultural” é um adjetivo que se refere à cultura. Em seu sentido mais amplo, é empregado para significar a soma total das criações humanas, ou seja, cultura é o resultado organizado da experiência de um grupo social, povo ou etnia: tudo aquilo que o ser humano (homem e mulher) é, faz e pensa. Inclui os modos de ser e de agir, costumes, regras, leis, liguagem, religião, ritos, celebrações, músicas, tradições, danças, vestuário, culinária, ou seja, é a forma através da qual o ser humano age socialmente e interage com o meio (mundo) onde se insere. É um processo em transformação constante, bastante diversificado e muito rico em possibilidades.
O processo cultural gera produtos: os bens culturais. Estes permitem ao ser humano o conhecimento e a consciência de si mesmo, e do ambiente que o cerca. O valor de um bem cultural está no seu poder de estimular a memória das pessoas historicamente vinculadas à comunidade, contribuindo para garantir sua identidade cultural e melhorar sua qualidade de vida. Os bens culturais são bens públicos que fazem parte da formação identitária do nosso povo e que está presente tanto no dia a dia das pessoas comuns como na esfera pública.
O conjunto de bens culturais pode ser dividido tangíveis, intangíveis e naturais. Os primeiros, os bens cultuais tangíveis são aqueles que por terem materialidade podem ser tocados. Por exemplo, os monumentos, o mobiliário, as imagens religiosas, os vestígios arqueológicos, etc. Em seguida, temos os bens intangíveis que possuem uma existência imaterial. Por exemplos: as comemorações cívicas, as teorias cientlificas e filosóficas, os ritos e as musicas, os padrões de comportamento, etc. Por fim, temos os bens naturais. São elementos da natureza que possuem uma representatividade (um significado) importante para a sociedade. Por exemplo, a Serra do Curral é um bem natural para os belorizontinos. Assim, como a Lagoa Rodrigues de Freitas, o Corcovado e a Floresta da Tijuca são bens cultuais naturais para os cariocas.


O que é educação patrimonial?

A cultura e memória de um povo são os principais fatores de sua coesão e identidade. Fundamentais para o senso de cidadania, esses dois fatores são também responsáveis por relacionar as pessoas à noção de pertencimento, compartilhamento e de identidade.
Os bens culturiais são os legados que recebemos do passado, vivemos intensamente no presente e devemos transmitir às futuras gerações. “O patrimônio histórico materializa e torna visível esse sentimento ecoado pela cultura e pela memória. Assim, permite a construção de identidades coletivas, fortalescendo os elos das origens comuns, passo decisivo para a continuação e a sobrevivência de uma comunidade.” (GESTOR, 2002, p.22) Se não houver a preservação dos bens culturuais, nada teremos para transmitir como história, memória e identidade, isto é, a atuação social e educativa no tema da preservação dos bens culturais coletivos é de de suma importância.
Preservar significa  garantir a continuidade física ao patrimônio edificado histórico ou ambiental, das coleções artísticas e dos mobiliários, dos jardins e dos parques históricos, das esculturas, dos arquivos de interesse histórico e dos usos, costumes e manifestações culturais. Há várias formas para garantir a preservação dos bens culturais, entre elas, temos a educação patrimonial.
De acordo com o Guia Básico da Educação Patrimonial (HORTA, 1999), a educação patrimonial é um processo permanente e sistemático de trabalho educacional tendo como centro a ideia de Patrimônio Cultural como fonte primária do enriquecimento individual e coletivo. Deve ser desenvolvida segundo dois parâmetros: a educação para a integração e a preservação do patrimônio cultural. De acordo com Horta (1999), a partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos as suas características, significados e sentidos, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar crianças e jovens a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural. O que também irá capacitá-los para um uso mais adequado dos bens culturais da sua sociedade. Propiciando a criação de novos saberes em um processo continuado de criação cultural. Em suma, graças a educação patrimonial é possível preservar e garantir o direito ao acesso à memória individual e coletiva, elemento importante para garantir o pleno exercício da cidadania e para assegurar a conscientização do nosso lugar e do nosso papel no mundo.
A educação patrimonial possibilita descobrir aquilo que queremos construir, preservar e deixar como legado para os nossos descendentes ao identificar e proteger aqueles bens culturais que representam a nossa memória, a nossa história e os nossos valores. Neste sentido, a educação patrimonial tem uma função estruturante no processo de formação do cidadão.
Pode-se entender a educação patrimonial como uma espécie de “alfabetização cultural” que tem o papel de criar as condições para ler (entender) o mundo no qual estamos inseridos. Possibilitando compreender o universo sociocultural e da trajetória tempo\espaço em que está inserido. O que levará por sua vez ao aumento da auto-estima das pessoas e do grupo e à valorização da sua cultura (no nosso caso cultura brasileira) que é vista como múltipla e plural.

 Como e por que perservar o patrimônio cultural da nossa cidade?

A preservação dos nossos bens culturais está diretamente relacionada a manutenção da nossa identidade cultural. O objeto imediato desse processo é a continuidade físca do patrimônio edificado, histórico ou ambiental, das coleções artísticas, dos mobiliários, dos jardins, parques, sítios arqueológicos, dos costumes, hábitos e manifestações culturais, para garantir o sentimento de pertencimento de um grupo a uma comunidade ou lugar, promovendo a melhoria da qualidade de vida das sociedades, através do bem estar material e espiritual que possibilita o exercício da memória e da cidadania. É importante nos sentirmos parte integrante de um grupo ou cultura para valorizar as referências culturais, integrando-se aos processos de preservação dos elementos que formam a memória local percebida no patrimônio cultural.
É dever de todos preservar os bens culturais em sua totalidade, o que exige uma metodologia de intervenção capaz de respeitar os elementos componentes do patrimônio cultural. Mas para que isso ocorra os membros da comunidade devem reconhecer esse bem cultural como parte importante da sua história. É preciso conhecer a história e saber que elas fazem parte do cenário social da sua comunidade. 

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