domingo, 27 de fevereiro de 2011

Texto escrito para jornal do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG Notícias)



O dia 07 de setembro: a história por detrás de um marco cívico
Ronaldo Campos


Professor de História e Filosofia
Mestre em Filosofia pela UFMG e Graduado em História e Filosofia (FAFICH-UFMG)


Muitos alunos questionam por que nas aulas de História dedicamos tanto tempo aos estudos do passado e por que algumas datas são consideradas tão importantes.
Por exemplo, nós aprendemos na escola que o príncipe Dom Pedro proclamou a nossa independência de Portugal no dia 07 de setembro de 1822 nas “margens plácidas” do Ipiranga. Porém, essa data não foi reconhecida de imediato como o dia da independência. A transformação desse dia em marco nacional da nossa história só ocorreu em 1870 em decorrência da consolidação do Estado Nacional e do crescimento da importância política e econômica da província de São Paulo.
No decorrer do século XIX, outras datas eram mais comemoradas: como o 12 de outubro (aniversário e dia da aclamação de Dom Pedro, o primeiro imperador do Brasil), 01 de dezembro (o dia da coroação de Dom Pedro) e 25 de março (o dia da outorga da constituição de 1824). Todas essas datas têm uma forte conotação absolutista, visto que fatos como a coroação e a aclamação do imperador (bem como a imposição da constituição por ele) representam ritos típicos do antigo regime que conferiram legitimidade ao monarca com base na sua origem dinástica. Em suma, antes do dia 07 de setembro se tornar o marco fundador da história brasileira, as datas mais importantes estavam relacionadas diretamente a figura do nosso primeiro soberano.
A emancipação do Brasil era vista mais como um ato de benevolência do imperador do que fruto de um processo histórico mais amplo que pudesse ter contado com a participação da população brasileira. Na prática, a independência em sentido amplo estava muito longe de ser uma realidade. Pois, o Brasil continuava dependente economicamente da Europa (Inglaterra, em especial), escravista e latifundiário. O rompimento ocorrido em 1822 entre Brasil e Portugal foi imposto de cima para baixo, tendo a preocupação de garantir a não fragmentação do nosso território além de conciliar as divergências existentes no seio da própria elite. Isto é, a nossa independência foi a consolidação de uma ruptura política, que se iniciou com a chegada da corte portuguesa ao Brasil e a abertura dos pontos às nações amigas. Sem revolução ou participação popular efetiva, o rompimento entre colônia e metrópole significou a consolidação da hegemonia dos latifundiários brasileiros, esvaziou o ideal republicano, refutou o federalismo e impôs uma forma política centralizadora e unitarista. A independência obtida em 1822 não representou imediatamente direitos e oportunidades para todos, uma vez que não conseguiu não abalar as estruturas sócio-econômicas e nem perder os seus principais privilégios (a grande propriedade escravocrata).
Contudo, à medida que a popularidade do imperador decaia junto ao povo essas datas foram perdendo o seu significado e a sua importância para a nação. Ou seja, por volta de 1830, o consenso aparente em torno dos fatos que enaltecia o imperador do Brasil foi rompido graças à atuação de grupos políticos que contestavam o autoritarismo absolutista do monarca. Como parte dessa campanha, esses grupos organizaram na antiga Praça da Constituição (atual Praça Tiradentes, centro do Rio de Janeiro) uma comemoração do dia 07 de setembro. Para justificar tal festividade, eles diziam que o imperador apenas seguiu o desejo de todos os brasileiros ao declarar a independência no “Grito do Ipiranga”, isto é, ao respeitar a vontade do Brasil, Dom Pedro se torna digno de reinar sobre os brasileiros. O imperador passa a ser mais um elemento do processo de emancipação política, deixando de ser a figura onisciente e onipresente que teria sozinho gerado e conduzido o Brasil e os brasileiros rumo aos ideais de progresso e liberdade. Tal retórica contesta a interpretação oficial (período imperial) da independência e propõe uma nova significação para esse fato da história brasileira.
Com a abdicação e o retorno a Portugal de Dom Pedro, pairava sobre o Brasil uma forte ameaça de violência popular. Por esse motivo, as comemorações da independência foram mantidas sobre um extremo controle por parte do governo regencial. Pedia-se ao povo que “amassem a pátria, sejam quais forem os seus princípios políticos” e se unam em torno do sete de setembro. É o primeiro passo para transformar esta dada de uma simples festa comemorativa para um evento que tem a possibilidade de criar junto aos brasileiros uma reflexão sobre os caminhos percorridos pelo nosso país.
Mas, toda essa história aqui relatada não significa que o dia sete de setembro é irrelevante. Pelo contrário, essa data tem o poder de gerar no povo brasileiro um mecanismo para diminuir a alienação. Para tanto, é fundamental repensar o sentido desse feriado para as nossas vidas e para o país. Pois, comemorar nem sempre significa festejar. Essa data histórica (como tamnbém as outras) podem servir para que os brasileiros descubram as particularidades da nossa civilização e as características do nosso povo e transformem essa data de uma simples festa comemorativa (ou de um dia de folga) em um evento que tem a possiblidade de criar uma reflexão mais critica dos caminhos percorridos pelo nosso país ao longo da nossa história e dos futuros projetos para a nação brasileira.

O que é filosofia

Filosofia é um termo de origem grega que significa etimologicamente 'amizade' ou amor pela sabedoria (philo = aquele ou aquela que tem um sentimento amigável; sophia = sabedoria). O filosofo é aquele que ama ser sábio ou que tem amor pela sabedoria. O que indica na filosofia uma ´´disposição interior de quem estima o saber, ou o estado de espírito da pessoa que deseja o conhecimento, o procura, o respeita.´´ (CHAUÍ, 2006, p.25)
Não podemos entender a filosofia como sendo algo distante da vida das pessoas. Também não é algo abstrato, uma pura especulação. O filosofar subentende um sujeito que é capaz de fazer uma leitura da realidade e a partir daí produzir um pensamento, uma reflexão própria.
A investigação filosófica surgiu na Grécia (na Jônia, no século VI a. C.) quando alguns gregos, ´´admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas´´ (CHAUÍ, 2006, p.25). Podemos resumir tais perguntas da seguinte maneira:
O que lhe causa encantamento?
O que lhe causa admiração?
Sobre o que deseja debruçar?
Ao buscar resposta para essas perguntas, os gregos demonstraram que o mundo (o universo) e os seres humanos, os acontecimento e as coisas da natureza, os acontecimentos e as ações dos Homens podem ser conhecidos pela razão humana, e que a nossa própria razão tem o poder e a capacidade de conhecer-se a si mesma.
Em suma, o ato de filosofar (e a filosofia em si) surgiu quando alguns, pensadores se deram conta de que a verdade do mundo e dos seres humanos não era algo secreto, mágico ou misterioso, que precisasse ser revelado pelos deuses para alguns eleitos, mas que podia ser conhecido por todos por meio da razão (do raciocínio).
A Filosofia apresenta uma visão radicalmente oposta a do mito. ´´A mitologia exprimia na forma divina e celestial todo o conjunto de relações, quer dos homens entre si, quer entre o homem e a natureza.´´ (ABRÃO, 1999, p.18) A mitologia narra uma sucessão de feitos e fenômenos dos deuses, da natureza e dos seres humanos, sem a necessidade de explicação, pois, esta está dada pelo poder real.
Quando na Grécia deixa de existir um soberano com poderes divinos ocorre uma mudança, a saber: a pólis (a cidade-estado grega) surge como uma criação da vontade humana, ou seja, os fatos do mundo (que antes eram gestados ou pelo rei-divinizado ou pelo deus) perdem a base de compreensão e se tornam problemas. Para resolvê-los, o homem-cidadão deve utilziar aquilo que desenvolveu ao criar a pólis: o lógos (a razão).
Com vista a tudo que já foi mencionado e de modo breve, podemos definir filosofia como um modo de pensar, uma postura diante do mundo. Não é simplesmente um amontoado de saberes pré-determinados e fechados em si mesmos. É, antes de tudo, uma forma de pensar o mundo e as coisas além da pura aparência. Podendo se voltar para qualquer tipo de objeto
A filosofia pode incomodar ao questionar certas verdades, o modo de ser das pessoas, das culturas e do mundo. O filósofo teoriza sobre tudo procurando responder não só o porquê das coisas mas, também, o como (o funcionamento). Ele se propõe a buscar o significado mais profundo dos fenômenos ao buscar o porquê, o como e o seu significado na ordem do mundo humano. A filosofia vai além daquilo que é, para propor como poderia ser: ´´...busca a verdade nas múltiplas significações do ser verdadeiro ... Busca, mas não possui o significado e a substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito´´. (JASPERS, 1971, p.138)
________________________________________________________________________________________

ABRÃO, B. S. História da filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006
LUCE, J. V. Curso de filosofia grega. Rio de Janeiro: Zahar, 1994
JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971
ARANHA, M. L. A., MARTINS, M. H. P. Filosofando. São Pulo: Moderna, 1993.
____________________________. Temas de filosofia. Sãa Paulo: Moderna, 1992.

Quanto vale ou é por quilo



Outro dia, no programa Sala de Cinema, vi o diretor Sérgio Bianchi. Ele apresentou idéias, conceitos e objetivos de vários dos seus filmes. Confesso que esse programa me fez rever algumas de suas obras. Como exercício mental, resolvi escrever alguma coisa sobre o filme Quanto vale ou é por quilo.




“A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-deflandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas.”

Machado de Assis






Comentários sobre o filme “Quanto vale ou é por quilo?”
É muito comum no Brasil ouvir que a condição histórica de corrupção na política brasileira é fruto de uma “inércia histórica”. Talvez possamos chamar também de “inércia social”. É curioso esse termo, pois ele trata da união entre uma lei puramente física e um conceito sociológico. A inércia é a conservação de um estado dinâmico de um corpo num sistema. Se algo está num dado estado dinâmico, seja de movimento ou de repouso, ele tende a ficar nesse estado se não houver razão suficiente alguma que o impeça, ou seja, se não houver nada opondo a manutenção, natural, desse estado dinâmico.
“Quanto vale ou é por quilo?” mostra exatamente essa “inércia social”. A “inércia social” está no filme retratar que a história brasileira não muda, ela está estática, barrada, bloqueada de transformação.
Mais vale pobres na mão do que pobres roubando” é o slogan do filme. A resenha do filme “Quanto vale ou é por quilo? ”, do diretor paranaense Sergio Bianchi (2005), uma livre adaptação do conto machadiano “Pai contra mãe”, faz um paralelo entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração da miséria pelo Marketing Social, com o intuito de mostrar as semelhanças no comportamento mercadológico das duas época. Com uma narrativa entrecortada, assistimos, no século XVII, um capitão-do-mato captura uma escrava fugitiva, que está grávida e, Após entregá-la ao seu dono, a escrava aborta o filho que espera. Outra história, agora nos dias atuais, quando uma ONG implanta o projeto de informática em uma comunidade carente da periferia. Arminda, que trabalha no projeto, descobre que os computadores comprados foram superfaturados e, por isso, precisa ser eliminada. Candinho, um jovem desempregado cuja esposa está grávida, torna-se matador de aluguel para conseguir dinheiro para sobreviver.
“Quanto vale ou é por quilo?” utiliza linguagens variadas para contar essa história. Entre elas, trechos de documentários e pequenos contos de enredo, baseados em crônicas de Nireu Cavalcante, extraídas de autos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Apesar de ser um filme de ficção, a escravatura é mostrada como está descrita nesses documentos, e em outros escritos históricos da época.
Ao traçar esse paralelo entre o século XIX e o tempo atual, o filme questiona até que ponto a estrutura da sociedade brasileira realmente mudou da época colonial até hoje. O cinema de Sérgio Bianchi é um cinema socialmente engajado, sarcasticamente questionador que coloca em cheque tudo o que se fez até hoje em sociedade. O longa enfoca um tema extremamente polêmico, a falência das instituições no Brasil, mostrando uma solidariedade de fachada que visa o lucro, seja ele social, político ou econômico. Uma “indústria da miséria” extremamente útil, desde ontem, com a comercialização dos escravos e hoje, com a criação dos intitulados projetos de assistência social. São colocados à vista as grandes mazelas e contradições de um país em constante crise de valores morais. A sociedade é vislumbrada na óptica mercadológica. A relação econômica que contrapõe casa-grande e senzala é análoga a relação entre a elite econômica e os excluídos do subúrbio.
Para o diretor, o Brasil se enveredou por um caminho de inversão de valores do qual ninguém escapa. Somos forçados a aceitar que essa situação é tão antiga, que podemos ver a sua origem intrinsecamente ligado à cultura brasileira. Desde os primórdios da nossa história, a corrupção e suas conseqüências estão espalhadas por todos os lugares. Bianchi recorre ao Arquivo Nacional para dar densidade a sua denúncia. Como todos os filmes-denúncia assume um tom documental para fazer verdade o discurso de seu autor.
Bianchi ataca ainda a indústria da boa ação, por meio da qual, além de se lavar a alma, gera-se empregos e movimenta-se a economia, sem, no entanto, interferir na vida dos supostos beneficiados (os pobres, outra vez). Quase ao final dois personagens definem o seqüestro como mecanismo de distribuição de renda e de justiça social. Leia abaixo íntegra da entrevista do diretor, marcada por suas interrupções e provocações. Preocupado com as generalizações de seu filme, que não relativiza nada ou ninguém.
O filme de Bianchi se coloca na contra-corrente de um ascendente “pensamento altruísta”, que tem na ideologia do voluntariado a solução para todos os males da humanidade e na “responsabilidade social” das empresas o selo da mercantilização da compaixão. Nele, a forte identidade nacional é dissecada pela hipocrisia e cinismo nas histórias da vida cotidiana do Brasil de hoje e de duzentos anos atrás. Não poupa o espectador das cenas fortes (que implica num certo convencimento do público do quão significativa e importante é seu trabalho), o diretor pode ser acusado de apelar para as mesmas táticas que se mostra disposto a rechaçar. Como, por exemplo, quando abusa em imagens que mostram mendigos que vomitam e crianças acorrentadas. Sob a égide do real, são mostradas excluídos sem qualquer teor paternalista. Por exemplo, quando são entregues os computadores numa escola pobre. Depois da inauguração oficial, a comunidade invade a sala onde estão os pcs e manda ver nos teclados, monitores e CPUs, empurrando alguns deles no chão. São seres irracionais em frente a um brinquedo novo que eles não entendem nem querem entender. Primatas em guerra com a máquina pelo prazer da anarquia.
Questões filosóficas sobre o Bem
Partindo da idéia filosófica a respeito da natureza do bom, podemos afirmar que a natureza do bom deve ser procurada numa relação peculiar entre o interesse pessoal e o interesse geral. Também deverá ser procurada na forma concreta que essa relação assume de acordo com uma estrutura social determinada.
Isso implica em que não nos ofereça um conteúdo determinado do bom, único para todas as sociedades e todos os tempos. Este conteúdo varia historicamente; certamente, pode ser a felicidade, a criação e o trabalho, a luta pela emancipação nacional e social, etc. Mas o conteúdo concreto só é moralmente positivo numa apropriação do individuo e da comunidade. Assim, se o bom é a felicidade. Esta deve entender-se como aquela que, longe de excluir a dos demais, necessariamente a pressupõe. A felicidade de certos indivíduos ou de um grupo social, que somente se pode alcançar à custa da infelicidade dos outros – de sua dor, de sua miséria, de sua exploração ou opressão – é hoje profundamente imoral. Se o conteúdo do bom é a criação, esta, embora tenha um valor em si mesma, será também imoral se faz crescer as desgraças dos outros. Finalmente, se a luta, o heroísmo e o sacrifício fazem parte do comportamento moral positivo, isso só ocorre na medida em que servem a um interesse comum a emancipação de um povo ou de todo um grupo. Vemos portanto, que o bom esta numa peculiar relação entre os interesses coletivos e pessoais. Partindo do fato de que o individuo é um ser social e de que a sociedade não é um aglomerado de átomos sociais, individuo e sociedade implicam-se necessariamente, do que decorre a sua relação necessária na qual não podemos isolar nenhum dos termos. Mas a necessiddade desta relação não significa que, historicamente, tenham estado sempre numa vinculação adequada; exatamente naquela que constitui a verdadeira esfera do bem.
A afirmação do individuo não é algo dado desde as primeiras formas de organização social, mas algo que o homem conseguiu somente na sociedade moderna. A individualidade não é um dom gratuito, mas uma conquista. Mas, na sociedade moderna, baseada na propriedade privada, a afirmação do individuo se traduz numa afirmação egoísta da personalidade, à custa dos demais. Por isso, o egoísmo ético não é somente uma doutrina, mas uma forma real de comportamento efetivo dos homens, na qual os interesses particulares e os gerais se separam. O oposto deste individualismo é uma comunidade abstrata, burocrática ou desumanizada, na qual o pessoal é absorvido pelo geral ou por uma suposta universalidade atrás da qual nada mais do que a expressão de interesses particulares muito concretos.
Em nossa época, o bom só pode ocorrer realmente na superação da cisão entre o indivíduo e a comunidade, ou na harmonização dos interesses pessoais com os verdadeiramente comuns ou universais.
Situado o bom nesta esfera, podemos falar de diversos graus de adequação do individual e do geral, bem como da realização do bom à medida que se supera o individualismo egoísta.


Pensando o que significa cidadania

Ronaldo Campos

Cidadania (civistas)é um termo de origem latina e expressa ”ser sujeito de direitos e deveres”. De acordo com o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, significa a ”qualidade ou estado de cidadão”. Essa idéia, certamente, tem a sua origem na Grécia Antiga: o cidadão grego (politikos) é o sujeito que vive (em sentido pleno) a polis. Para um grego, ser um cidadão é um bem inestimável: a plena realização humana que só se concretizava na sua participação integral na cidade grega. E só tem sentido real se todos os cidadãos participassem integralmente da vida política-social. Contudo, na antiguidade clássica, a cidadania não era uma realidade para todos, ou seja, mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos da vida política. Não eram considerados sujeitos com direitos e deveres. A cidadania era para poucos. Foi apenas na época do Iluminismo que surgiu o conceito de sociedade civil (da forma como nós a compreendemos) e passou a se discutir os direitos inalienáveis do Homem. Por esta razão, alguns autores afirmam que a história de cidadania se confunde com a história das lutas e conquistas pelos direitos humanos. Os marcos fundadores dessa história são a Revolução Francesa e a Independência das 13 colônias americanas. Esses acontecimentos históricos romperam com o principio de legitimidade baseado nos deveres de súditos.
O conceito de cidadania não pode ser visto como algo estanque. É fruto de um longo processo histórico. A cidadania esteve (e sempre estará) imersa num processo de permanente construção. Ao mesmo tempo em que é construída (desconstruída e reconstruída) incessantemente, também de ver ser (sempre) conquistada (e reconquistada): é um conceito histórico, cujo sentido pode variar seja temporalmente seja espacialmente; isto é, ser um cidadão da Itália Medieval não é a mesma coisa que ser um cidadão italiano do século atual. Do mesmo modo, que ser um cidadão brasileiro é bem diferente de ser um cidadão chinês, russo, japonês ou americano.
A cidadania pode ser definida como o status jurídico e político mediante o qual o cidadão adquire direitos civis, políticos e sociais. É um mecanismo de representação política que permite o relacionamento entre governantes e governados.
Se ser cidadão implica em ter consciência dos direitos e deveres, participar de modo ativo de todas as questões da sociedade, então, quem não é cidadão está marginalizado e excluídos, sendo considerado um ser inferior destituído de direitos. O não-cidadão não está capacitado para participar da vida da cidade e da sociedade.
Da Revolução Francesa aos dias de hoje, a grande luta pode ser sintetizada em torno da idéia de como ampliar os direitos da cidadania para um grupo cada vez maior de pessoas. Assim, construir a cidadania é também construir novas relações e consciência. A cidadania não é apreendida (nem pode ser ensinada por) em livros. Pelo contrário, ela é construída no calor dos movimentos sociais, no cotidiano da vida pública, na convivência como as outras pessoas, nas relações que estabelecemos com o Bem público e com o próprio ambiente. É uma tarefa que exige um esforço constante que dialoga com outras temáticas, a saber, ética, ecologia, solidariedade, democracia e direitos humanos. É uma ação inacabada que exige uma permanente busca, descoberta da criação de uma consciência mais ampla que nos possibilitará intervir na realidade.