terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Análise de questão de prova de história baseada no personagem da Marvel Pantera Negra




A QUESTÃO 




Leia com bastante atenção um trecho do roteiro do filme Pantera Negra:

 

Aqui está o diálogo, com foco na fala de Killmonger, traduzido para o português:

 

“T'CHALLA: Nós podemos curar você.

KILLMONGER: Por quê? Para que você possa me prender numa cela? Nah. Jogue-me no oceano com meus ancestrais que pularam dos navios, porque eles sabiam que era melhor a morte do que a escravidão.”

[Killmonger retira a faca de seu peito e morre olhando o pôr do sol de Wakanda.]

 

O diálogo traduzido e transcrito acima ocorre imediatamente após a batalha final entre Killmonger e T'Challa, onde Killmonger é fatalmente ferido. A cena não é apenas um confronto físico, mas sim o embate final de duas filosofias opostas sobre o papel de Wakanda no mundo: T'Challa (O Isolacionista/Reformador): Acreditava no isolamento de Wakanda para proteger seu povo e sua tecnologia (Vibranium), mas é forçado a confrontar a injustiça causada por essa política. Killmonger (O Revolucionário da Diáspora): Acreditava que Wakanda tinha o dever, e a capacidade tecnológica, de intervir militarmente no mundo para libertar e empoderar todos os povos negros oprimidos pela opressão histórica e colonial.

 

Marque a alternativa que apresenta a melhor interpretação desse trecho do filme com o processo que levou ao fim da escravidão no Brasil.0

 

A)                 A fala de Killmonger faz uma referência direta aos quilombos. Muitos africanos capturados preferiam correr o perigo de fugirem e serem capturados pelos capitães do mato, a viver a dura realidade dos trabalhos das minas e das lavouras nas Américas.

B)                  A fala de Killmonger faz uma referência direta aos navios negreiros. Muitos africanos capturados preferiam cometer suicídio, pulando no Oceano Atlântico, a enfrentar a brutalidade da escravidão nas Américas. Eles escolheram a morte para preservar sua dignidade e liberdade espiritual.

C)                A fala deve ser interpretada como um paralelo à Lei Áurea (1888), pois assim como T'Challa oferece a cura (liberdade), o Estado Brasileiro ofereceu a libertação de forma paternalista, sem dar condições econômicas ou sociais para a reintegração dos libertos.

D)               A recusa de Killmonger em ser curado e a escolha pela morte remetem à resistência da elite cafeeira no Brasil. Eles se recusaram a aceitar a abolição, exigindo indenizações do governo Imperial, por considerarem a perda de seus escravizados uma afronta à sua dignidade.

E)                A filosofia de Killmonger, de intervir militarmente, assemelha-se à atuação dos abolicionistas radicais no Brasil, como Castro Alves. Eles defendiam o uso da força e da revolta escrava como única forma de derrubar o sistema, rejeitando as saídas políticas e as leis graduais.




Análise Detalhada da Questão: Pantera Negra e a Escravidão no Brasil

A questão solicita a melhor interpretação da fala final de Killmonger, relacionando-a com o processo que levou ao fim da escravidão no Brasil.

O ponto crucial da fala de Killmonger é:

"Jogue-me no oceano com meus ancestrais que pularam dos navios, porque eles sabiam que era melhor a morte do que a escravidão.”

Essa frase faz uma referência histórica específica e muito poderosa: a resistência dos africanos escravizados durante a travessia do Atlântico (o chamado "Navio Negreiro" ou "Tumbeiro").

Vamos analisar as alternativas com base nessa referência:


Avaliação das Alternativas

AlternativaAnáliseConclusão
A) QuilombosEmbora os quilombos sejam formas vitais de resistência (preferir a fuga à escravidão), a fala de Killmonger menciona explicitamente pular dos navios. A referência direta é à travessia marítima, não à fuga de fazendas no continente americano.Incorreta
B) Navios Negreiros e SuicídioA frase é uma referência direta e literal ao suicídio praticado por muitos africanos a bordo dos navios negreiros. Eles se atiravam ao mar, escolhendo a morte como um ato final de liberdade e preservação da dignidade (resistência ativa), recusando-se a aceitar o destino da escravidão. Isso alinha-se perfeitamente com a escolha de Killmonger de recusar a "cura" (prisão/vida sob o domínio de T'Challa) e aceitar a morte como forma de preservar sua ideologia e liberdade.Correta
C) Lei Áurea (Paternalismo)A Lei Áurea (1888) foi a abolição legal. Embora a crítica sobre o paternalismo e a falta de reintegração social seja historicamente precisa, a analogia que a alternativa propõe (Killmonger recusando a cura/liberdade paternalista) não se encaixa na referência explícita dele sobre os ancestrais que pularam dos navios. A fala dele é sobre resistência radical e a morte como ato de liberdade, não sobre a qualidade da liberdade concedida.Incorreta
D) Elite Cafeeira e IndenizaçãoA fala é sobre a resistência dos escravizados, não sobre a resistência da elite escravocrata à abolição. Killmonger é um defensor dos oprimidos. A alternativa inverte o foco temático da cena.Incorreta
E) Abolicionistas Radicais (Castro Alves)O personagem de Killmonger é um revolucionário que defende a intervenção. Essa comparação é válida em termos de filosofia política (intervenção radical vs. leis graduais). No entanto, a pergunta é sobre a interpretação do trecho específico do diálogo ("pularam dos navios"). A alternativa B interpreta de forma mais direta a referência histórica contida na frase-chave.Incorreta (Embora a filosofia seja comparável, não é a melhor interpretação da referência específica no diálogo.)

Conclusão

A melhor interpretação é a que reconhece a referência histórica direta e literal contida na fala de Killmonger. A menção aos ancestrais que "pularam dos navios" é um poderoso ato de memória àqueles que escolheram o suicídio no Atlântico como a forma mais extrema de resistência e recusa à escravidão. Essa escolha de morte em nome da liberdade é o espelho da decisão de Killmonger de recusar o tratamento.

A alternativa correta é a B.

O Culpado de Tudo ou O Hacker de Giz

 



Dizem os geógrafos, essa gente afeita aos números e às bússolas, que Minas Gerais é uma imensidão de quase seiscentos mil quilômetros quadrados. Um retângulo imperfeito que ocupa sete por cento do Brasil, esticando-se por quase mil quilômetros do Norte ao Sul, como se quisesse abraçar o país inteiro. Para todos nós mineiros, porém, Minas não é uma simples área; é volume, é intensidade, é história. O nosso estado tem o peso de oitocentos e cinquenta e três municípios, uma constelação de cidades que faz de cada curva de estrada um novo sotaque.

Mas a grandeza, quando se torna burocracia, dói. Imagine, meu querido leitor, essa escala traduzida em giz e apagador, em alunos e professores: são sete mil e tantos colégios, uma legião de cento e oitenta mil professores e uma multidão de dois milhões de alunos. É gente que não acaba mais, um mar de cadernos que, no final do ano, deságua em um único e estreito gargalo: o sistema digital.

Eu me chamo Ronaldo e sou professor de história na rede estadual de Minas Gerais há mais de três décadas. Sou um dos muitos operários da educação (ou como diz o nosso sindicato: sou um trabalhador em educação) que torna realidade o mais importante sistema educacional do país. 

No último dezembro, eu era um homem-orquestra entre o sexto e o sétimo andar de uma escola verticalizada, equilibrando um laptop, livros e a paciência que nos resta no fim do calendário. Meus alunos, essa juventude da "Geração Z", habitam bolhas que nós, adultos, mal conseguimos enxergar através do reflexo da tela. Eles são corteses, é verdade, mas vivem em um fuso horário existencial diferente do meu.

O ritual de final de ano era a "ladainha das notas". Nome, número, média, o veredito. Mas havia o mistério da recuperação semestral. As provas, corrigidas por máquinas frias e gabaritos eletrônicos, deixavam alguns nomes no limbo. "Vá à supervisão", eu dizia.

E foi lá que o cosmos e o cômico se encontraram.

O sistema, fustigado por milhares de acessos simultâneos — a sede de todo um estado tentando descobrir se haveria férias ou estudos independentes —, simplesmente entregou os pontos. Caiu. Ficou mudo, inoperante, uma página em branco na vastidão mineira.

Uma aluna, dessas que carregam no rosto a impaciência do século, recebeu a notícia da supervisora: "O sistema travou, minha filha. Está fora do ar".

A menina não hesitou. Fez uma careta de quem encara o apocalipse e soltou o grito que paralisou o corredor: — Foi o Ronaaaaaaaaldo! Ele não larga aquele computador! De tanto mexer, tirou o sistema do ar!

A supervisora, coitada, engoliu o riso para não se engasgar com o absurdo. A aluna saiu pisando firme, convencida de uma verdade absoluta e solitária: seu professor de carne e osso, aquele que subia escadas com o notebook debaixo do braço, era o titã capaz de derrubar a infraestrutura de sete mil escolas.

Para ela, eu não era apenas um mestre de primeiros e segundos anos. Eu era o hacker involuntário de Minas Gerais, o homem que, de tanto digitar médias, apagou a luz de dois milhões de estudantes. Saí da escola me sentindo pequeno diante do estado, mas gigante diante daquela fé cega na minha onipotência digital.