Belo Horizonte nasceu com a pretensão das linhas retas e o otimismo de quem ignora o relevo. Em 1901, enquanto o mundo ainda se acostumava com o século novo, nós já tínhamos o bonde. Ah, o bonde! Era o nosso carrossel urbano. Ele deslizava pela Afonso Pena e pela Amazonas com uma elegância que o tempo tratou de enferrujar. No Horto, na Serra ou na Pampulha, o sujeito subia no estribo e sentia-se, por uns dez minutos, o dono do horizonte.
Naquela época, ter automóvel era como ter um título de nobreza; o resto de nós, a plebe rude, ia de bonde. Mas nem tudo eram flores de ipê. Quando a seca apertava, a energia sumia e o bonde virava uma estátua de ferro no meio da rua. Quando chovia, o passageiro experimentava o conceito de "banho público itinerante".
A Invasão das Baleias de Metal
Nos anos 50, alguém decidiu que o futuro não tinha trilhos, mas pneus. Surgiram os trólebus, esses ônibus com antenas de gafanhoto que viviam se desconectando da realidade (e da fiação). Enquanto Juscelino Kubitschek, nosso "pé de valsa" predileto, abria as portas para a indústria automobilística, o bonde pedia aposentadoria em 1963. O carro, antes um luxo, virava a nova religião.
O problema é que a conta não fechava. Os trólebus eram caros, diziam os guardiões do cofre. Em 69, puxaram a tomada deles. Tentaram ressuscitá-los em 86, mas a política mineira, que adora um nó cego, deixou os veículos mofando no pátio, como convidados que chegaram cedo demais para uma festa que foi cancelada.
O Metrô de um Trilho Só e a Cidade que Sobe
E veio o Metrô. Demorou muito.... põe tempo nisso! BH só teve a sua primeira linha iniciada em 1986, ele começou tímido, com três trenzinhos. Demorou quinze anos para chegar aos vinte e cinco — um recorde de paciência budista para o passageiro. Enquanto isso, BH crescia como massa de pão com fermento estragado. O interior vinha para cá, a cidade subia em prédios, e o ribeirão Arrudas, coitado, virava o destino final de tudo o que a gente preferia não ver.
Derrubavam-se casas para erguer edifícios dentro da Contorno, empurrando a memória — e os moradores — para cada vez mais longe. A cidade ia ficando alta e, paradoxalmente, mais difícil de atravessar.
O Dilema de Deleuze na Savassi
Se Espinosa ou Descartes pegasse um ônibus na Avenida Santos Dumont às seis da tarde, ele teria material para três novos livros. Ele dizia que a cidade deve ser um exercício de coletividade, um ethos de solidariedade. Mas em Beagá, durante décadas, a "mobilidade" esqueceu de quem não corre maratona.
A Constituição Cidadã de 1988 prometeu o paraíso da acessibilidade, mas a prática foi um degrau alto demais. Só em 98 as leis municipais acordaram para o fato de que uma escada é um muro para quem usa cadeira de rodas. É um contrassenso: queremos ser modernos, falamos em BRT (o tal do Move, que promete ser a bala de prata para o trânsito caótico), mas ainda tropeçamos no básico.
Conclusão: O Eterno "Uai"
Hoje, olhamos para os corredores exclusivos e para o trânsito que mais parece um estacionamento a céu aberto. Harmonizar o excesso de carros com o direito de ir e vir de quem tem mobilidade reduzida é o grande desafio mineiro.
A evolução está aí, do bonde ao Move, mas a pergunta continua a mesma, ecoando nas esquinas da Rua da Bahia: "Será que esse ônibus passa no centro da dignidade humana?". Enquanto a resposta não vem, a gente segue no balanço, entre um buraco e uma ladeira, esperando que a próxima estação seja, finalmente, a da cidadania plena.
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