domingo, 2 de junho de 2013


T. E. EM CRÍTICA MARXIANA ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS: GADAMER

Texto: Ronaldo Campos

Introdução

A Crítica do Juízo

Segundo Gadamer, Kant considerou como uma espécie de surpresa espiritual o fato de que no marco do que se refere ao gosto apareceria um momento a priorista que vai mais além da generalidade empírica. E é a partir dessa perspectiva que surge a Crítica do Juízo. Não se trata simplesmente de princípios empíricos que deveriam legitimar uma determinada forma dominante do gosto; pelo contrário, busca-se um autentico a priori, o qual, deve justificar em geral e para sempre a possibilidade da crítica . Trata-se, de encontrar o acordo entre as duas Criticas. Não se busca aqui um acordo entre os dois mundos  o da natureza e o da liberdade, pois, segundo Kant, “ainda que a Filosofia somente possa ser dividida em duas partes principais, a teórica e a prática; ainda que tudo aquilo que pudéssemos dizer nos princípios próprios da faculdade do juízo tivesse que nela ser incluído na parte teórica, isto é, no conhecimento racional segundo conceitos da natureza, porém ainda assim a crítica da razão pura, que tem que construir tudo isto antes de empreender aquele sistema em favor da sua possibilidade, consiste em três partes: a crítica do entendimento puro, da faculdade de juízo pura e da razão pura, faculdades que são designadas puras, porque legislam a priori” . Isto é, não se trata de acrescentar uma terceira parte ao “sistema”, pois, este não pode ter senão duas partes  filosofia teorética e filosofia prática  visto que os mundos são dois, natureza e liberdade. O que se busca, pelo contrário, é uma nova faculdade cognoscitiva, através da qual esses dois mundos se encontrem no sujeito. Deste modo, a “passagem” entre esses dois mundos não é objetiva, mas subjetiva, no sentido que se busca um acordo de um objeto do entendimento humano, o qual é uma faculdade da mente humana, com um conceito da razão, que também é uma faculdade da mente humana. Assim, “o entendimento fornece , mediante a possibilidade das suas leis a priori para a natureza, uma demonstração de que somente conhecemos esta como fenômeno, por conseguinte simultaneamente a indicação de um substrato supra-sensível da mesma, deixando-o no entanto completamente indeterminado. Através do seu princípio a priori do ajuizamento da natureza segundo leis particulares possíveis da mesma, a faculdade do juízo fornece ao substrato supra-sensível daquela (tanto em nós, como fora de nós) a possibilidade de determinação mediante a faculdade intelectual. Porém, a razão fornece precisamente a esse mesmo substrato, mediante a sua lei prática a priori, a determinação; e desse modo a faculdade do juízo torna possível a passagem do domínio do conceito da natureza para o de liberdade .
O entendimento “é legislador a priori em relação à natureza, enquanto objeto dos sentidos, para um conhecimento teórico da mesma numa experiência possível. A razão é legisladora a priori em relação à liberdade e à causalidade que é própria desta ( como aquilo que é supra-sensível no sujeito) para um conhecimento incondicionado prático” . Neste caso, nem o entendimento, nem a razão pode realizar tal juízo; este será ato de uma terceira faculdade: a faculdade de julgar. Lado a lado do entendimento que conhece e da razão que põe fins, tem-se uma outra faculdade, a qual possui por função ajustar um objeto do intelecto a um fim da razão, ou seja, temos aqui a faculdade de julgar. A faculdade de juízo estética é por isso uma faculdade particular de ajuizar as coisas segundo uma regra, mas não segundo conceitos. E “no caso de ajuizar a forma do objeto ( não o material da sua representação, como sensação) na simples reflexão sobre a mesma (sem ter a intenção de obter um conceito dele), como fundamento de um prazer na representação, este prazer é julgado como estando necessariamente ligado à representação, por conseqüência, não simplesmente para o sujeito que apreende esta forma, mas sim para todo aquele que julga em geral. O objeto chama-se então belo e a faculdade de julgar mediante um tal prazer (por conseguinte também universalmente válido) chama-se gosto . Na verdade, como o fundamento do prazer é colocado simplesmente na forma do objeto para reflexão em geral, por conseguinte em nenhuma sensação do objeto, é também colocado sem relação a um conceito que contenha uma intenção, é apenas a legalidade, no uso empírico do faculdade do juízo em geral (unidade da faculdade da imaginação com o entendimento no sujeito com que a representação do objeto na reflexão são válidas a priori de forma universal. Tal princípio não pode ser derivado, nem demonstrado a partir de um princípio geral ; nem tampouco decidir-se por argumentação ou por demonstração. Os modelos e exemplos proporcionam uma pista para sua própria orientação porém não o eximem de sua real tarefa; pois, o gosto tem de ser uma capacidade própria e pessoal. Entretanto, nas questões referente ao gosto estético, as preferências particulares não influem, a não ser que elevadas a pretensão de uma norma supra-empírica.
Para Kant, tanto o prazer quanto o desprazer não são produzidos pelo conceito de liberdade, ou seja, através da determinação precedente da faculdade de apetição superior da razão pura, o sentimento de prazer nunca pode ser compreendido como provindo de conceitos, necessariamente unidos a representação de um objeto. Entretanto, pode sempre ser conhecido através da percepção refletida e ligada a esta,; consequentemente, não pode anunciar qualquer necessidade objetiva e exigir uma validade a priori. Todavia o juízo de gosto exige que seja válido para todos, do mesmo modo que todos os outros juízos empíricos. Deste modo nos diz Gadamer, a fundamentação kantiana da estética sobre o juízo de gosto faz justiça às duas faces do fenômeno, a sua generalidade empírica e a sua pretensão a priorista de generalidade . Entretanto, o preço pago por esta justificação da crítica no campo do gosto consiste em que retira-se deste qualquer significado cognitivo. O sentido comum fica reduzido a um princípio subjetivo, isto é, limita-se o conceito de senso comum ao gosto. Nele não se conhece nada dos objetos que se julga como belos, senão que se afirma unicamente que lhes corresponde a priori um sentimento de prazer no sujeito. É sabido que Kant funda este sentimento na idoneidade que tem a representação do objeto para a nossa capacidade de conhecimento. O livre jogo entre imaginação e intelecto, uma relação subjetiva, que é idônea para o conhecimento, é o que representa o fundamento do prazer que se experimenta ante o objeto. Esta relação de utilidade subjetiva é de fato idealmente a mesma para todos, pois, sendo comunicável em geral; fundamentando assim a pretensão de validade geral pleiteada pelo juízo de gosto. Para Gadamer, este princípio é aqui lei para si mesmo. Neste sentido, trata-se de um efeito a priorista do belo, o termo médio entre uma mera coincidência sensorial empírica nas coisas do gosto e uma generalidade regulativa racionalista. No gosto não se conhece nada do objeto, porém, tampouco tem lugar uma simples reação subjetiva como a que desencadeia o estímulo do sensorialmente prazeroso. O gosto é um gosto reflexivo.
Portanto, a intenção transcendental de Kant se deve que “a analítica do gosto” tome seus exemplos de prazer estético de uma maneira inteiramente arbitrária tanto da beleza natural quanto da representação artística, pelo fato que a Terceira Crítica não pretende ser uma filosofia da arte, por mais que a arte seja um dos objetos da faculdade de julgar. O conceito “juízo estético puro” é uma abstração metodológica que se cruza com a distinção entre natureza e arte. Deste modo é esta a razão pela qual convém examinar atentamente a estética kantiana, ou seja, para devolver a sua verdadeira medida as interpretações da mesma no sentido de uma filosofia da arte que enlaça sobretudo com o conceito de gênio .









PRIMEIRA PARTE

A Teoria da Beleza Livre e Dependente

Para Kant, há duas espécies de beleza, a saber: Beleza Livre e a Beleza Simplesmente Aderente. A Beleza Livre é aquela que não pressupõe nenhum conceito do que o objeto deva ser; enquanto que a segunda pressupõe um dado conceito e a perfeição do objeto segundo o mesmo. Os modos da beleza livre chamam-se belezas (subsistentes por si) desta ou daquela coisa; a outra, como aderente a um conceito (beleza condicionada), é atribuída a objetos que estão sob conceito de um fim particular. Segundo Gadamer, “Kant discute aqui a diferença entre o juízo de gosto ‘puro’ e o ‘intelectualizado’, que corresponderia à oposição entre uma beleza ‘livre’ e uma beleza ‘aderente’ ( que diz respeito a um conceito). Esta é uma teoria importantíssima para a compreensão da arte, pois, nela aparecem a livre beleza da natureza e a ornamentação - no terreno da arte - como a verdadeira beleza do juízo de gosto puro, uma vez que são belos por ‘si mesmos’”. Por exemplo, as “flores são belezas naturais livres. Que espécie de coisa uma flor deva ser, dificilmente, o saberá alguém além do botânico; e mesmo este, que no caso conhecer o órgão de fecundação da planta , se julga a respeito através do gosto, não toma em consideração este fim da natureza. Logo, nenhuma perfeição de qualquer espécie, nenhuma conformidade a fins interna, a qual se refira a composição do múltiplo, é posta no fundamento desse juízo. Muitos pássaros ( o papagaio, o colibri, a ave-do-paraíso), uma porção de crustáceos do mar são belezas por si, que absolutamente não convém nenhum objeto determinado segundo conceitos com respeito a seu fim, mas aprazem livremente e por si. Assim, os desenhos a la grecque, a folhagem sobre moldura ou sobre papel de parede, etc., por si não significam nada, não representam nada, nenhum objeto sob um conceito determinado, e são belezas livres. No ajuizamento de uma Beleza Livre (segundo a mera forma), o juízo de gosto é puro; não pressupõe nenhum conceito de qualquer fim, para o qual o múltiplo deva servir ao objeto dado e o qual deva representar; mediante o que unicamente seria limitada a liberdade da faculdade da imaginação, que na observação da figura, por assim dizer joga” .
As espécies de Beleza Simplesmente Aderente, são atribuídas, como dependente a um conceito (beleza condicionada), a objetos que ficam sob o conceito de um fim particular. Somente, “a beleza de um ser humano (e, dentro desta espécie, a de um homem, ou mulher, ou criança) ou de um edifício (como igreja, palácio, arsenal, ou casa de campo) pressupõe um conceito de fim, que determina o que a coisa deva ser, por conseguinte um conceito de perfeição; e é, portanto, beleza simplesmente aderente . Neste sentido, de acordo com Gadamer, os exemplos apresentados no texto kantiano - homem, edifício - ou são objetos naturais, tal como aparecem no mundo dominado por objetivos humanos, ou então objetos produzido já para fins humanos. Em todos esses casos, a determinação teleológica significa uma restrição do prazer estético A diferença entre beleza natural e beleza artística não tem aqui maior importância, de acordo com Gadamer, “quando dentre os exemplos de beleza livre são incluídas não somente as flores como também os desenhos à la grecque, as folhagens para molduras ou papel de parede, as músicas (sem texto ou sem tema) o que implica acolher indiretamente tudo o que representa ‘um objeto sob um dado conceito’, e portanto tudo aquilo que deveria vincular-se entre belezas condicionadas e não livres - todo o reino da poesia, das artes plásticas, da arquitetura, assim como todos os objetos naturais que não fixamos somente em sua beleza (flores de moldura). Em todos os casos citados o juízo de gosto está confuso e restrito .
O comprazimento na beleza é tal que não pressupõe nenhum conceito; mas está imediatamente ligado a representação pela qual o objeto é dado, e não pela qual ele é pensado. Para Kant, um juízo de gosto, quanto a um objeto só seria puro de fins internos determinados se aquele que julga, ou não tivesse nenhum conceito desse fim, ou em seu juízo fizesse abstração dele. Mas, nesse caso, embora emitisse um juízo-de-gosto correto, ao julgar o objeto como beleza livre, seria no entanto censurado pelo outro, que considera a beleza no objeto apenas como índole aderente (tem em vista o fim do objeto) e acusado de um falso gosto, embora ambos, a seu modo julguem corretamente: um segundo, os sentidos; o outro, segundo pensamento; isto é, o primeiro emite um juízo-de-gosto puro, enquanto que o segundo um juízo de gosto aplicado. Portanto é o próprio Kant que acaba por concluir que é possível julgar um mesmo objeto a partir de dois pontos de vista diferentes: o da beleza livre e o da beleza dependente. Em suma, diante de um objeto da natureza é possível formular tanto um juízo teleológico quanto um juízo estético. Do juízo estético pode ser formulado ou um juízo estético puro ou um juízo lógico estético. Um juízo de gosto seria puro com respeito a um objeto de fim interno determinado somente se o julgante não tivesse nenhum conceito desse fim ou se abstraísse dele em seu juízo . A finalidade objetiva se torna inconsciente; restando, pois, a pura forma da finalidade formal, coincide com a finalidade subjetiva, isto é, o acordo com o livre jogo das faculdades representativas. No juízo lógico estético, tem-se uma finalidade objetiva, e, para que seja um juízo estético, é preciso que seja possível a sua conciliação com a finalidade subjetiva. Entretanto, o arbítrio ideal do gosto parece continuar sendo o que julga a partir do que tem ante seus sentidos, e não segundo o pensamento. Neste sentido, Gadamer nos diz que os exemplos de beleza livre não devem evidentemente representar a autentica beleza senão unicamente confirmar que o prazer como tal não é um julgamento da perfeição do objeto. Portanto, conclui Gadamer, é possível superar o ponto de vista do juízo de gosto ao dizer que seguramente não é a beleza o que está em questão quando se busca fazer sensível e esquemático um determinado conceito do entendimento através da imaginação, senão unicamente quando a imaginação concorda livremente com o intelecto, ou seja, quando pode ser produtiva. Não obstante, esta ação produtiva da imaginação não alcance sua maior riqueza ali onde é completamente livre, como ocorre nos entrelaçamentos dos arabescos, senão ali onde vive em um espaço que instaura para ela o impulso do entendimento feito unidade, não tanto na qualidade de barreira como para estimular o seu próprio jogo.
Seguindo esta mesma linha de pensamento Pareyson nos diz que: “o haver distinguido o juízo teleológico do juízo estético manifesta, em Kant, o intento de distinguir a beleza da perfeição; mas esse assunto Kant resolve perseguindo, no fundo, duas vias distintas, que não se deixam facilmente conciliar, e que se manifestam na distinção entre beleza livre e beleza aderente, entre juízo estético puro e juízo lógico estético. . A beleza livre funda-se na finalidade formal e na coincidência da finalidade subjetiva com a finalidade formal, sendo que a finalidade formal não é senão o desconhecimento da finalidade objetiva - “a indeterminalidade do conceito não é outra coisa do que inconsciência do fim. Não há senão uma só finalidade na natureza, e é aquela reconhecível pelo juízo teleológico, isto é, a finalidade objetiva material, a qual, quando permanece desconhecido o conceito de fim, ou por ignorância ou por abstração, se apresenta como formal. Deste modo, finalidade formal e finalidade objetiva são, no fundo, uma só coisa, e se diferenciam somente no modo diverso de serem consideradas; desta forma, a distinção entre finalidade formal e finalidade objetiva tende a se elidir” . Portanto, a beleza livre é final formal subjetiva, a saber, é a finalidade da forma representativa do objeto com referência ao livre jogo das faculdades representativas. Neste ponto, observa Pareyson que neste conceito estão ( no fundo) contidas duas distintas definições da finalidade estética: entendida ora como finalidade formal (o acordo do múltiplo na unidade, sem que esteja determinado o conceito que é fundamento dessa unidade), ora como finalidade subjetiva (o acordo do objeto com o jogo harmônico de imaginação e entendimento). Na beleza livre, as duas finalidades estão de tal modo unidas que uma não existe sem a outra: “o fato de que a finalidade do objeto seja somente formal e aconceitual evoca, necessariamente , a representação que esta forma para o livre jogo das faculdades cognoscitivas, e inversamente com o livre jogo das faculdades pode ser conciliada só a forma do objeto. Finalidade formal e finalidade subjetiva acabam por se identificarem; se existe acordo entre objeto e conhecimento é porque o objeto é pura forma , e se o objeto é pura forma, por isso mesmo, conciliado com o conhecimento do sujeito. Só a formalidade da finalidade funda a sua subjetividade, e não pode existir subjetividade da finalidade senão com o pressuposto da sua formalidade. (...) Para a beleza é indispensável somente a finalidade subjetiva, isto é, o acordo com o livre jogo das faculdades cognoscitivas, e não é necessário que o que se concilia seja a forma pura do objeto, de modo que se pode dizer que a finalidade estética propriamente dita não é a finalidade formal, mas a finalidade subjetiva” . Por outro lado, a beleza aderente só é possível com base na distinção entre finalidade formal e finalidade subjetiva. Sendo que esta última, por sua vez, só se torna possível a partir da concepção de finalidade formal, pela qual esta não é outra coisa do que o desconhecimento da finalidade objetiva. Ora, observa Pareyson, a concepção da finalidade formal está contida na doutrina da beleza livre, a qual, prepara ( ela própria) a doutrina da beleza aderente; entretanto, esta última só é possível com base na conciabilidade da finalidade objetiva com a finalidade subjetiva. “Resumindo, eis as condições de possibilidade da beleza aderente: concepção de finalidade formal como simples desconhecimento da finalidade objetiva, distinção entre finalidade formal e finalidade subjetiva, conciliabilidade de finalidade subjetiva e finalidade objetiva, o que significa falar de englobar a perfeição na beleza é o mesmo que falar de incluir o juízo teleológico no juízo estético. O que significa ainda encontrar na beleza a presença de um tal conceito, como fundamento da perfeição nela inclusa, que não suprima o livre jogo das faculdades cognoscitivas” .








SEGUNDA PARTE

A analogia entre arte bela e natureza bela

De acordo com Luigi Pareyson, a arte tem por fim o sentimento de prazer, sendo, deste modo, uma finalidade prática que produz objetos belos que agradam por si. Essa finalidade consiste na realização de objetos predispostos a satisfazer a necessidade do livre jogo das faculdades cognoscitivas; e, uma vez que a predisposição para o livre jogo das faculdades cognoscitivas é final subjetivo, temos aqui uma verdadeira inclusão da finalidade subjetiva internamente a uma finalidade objetiva, isto é, o acordo com o livre jogo é o fim de um processo de realização. Aquilo que é evidente para a arte também pode ser aplicado na natureza. A finalidade subjetiva dos objetos naturais belos pode ser interpretada como objetiva no sentido de que a natureza si interpreta como aquela que é, de per si, finalisticamente ordenadas às nossas faculdades cognoscitivas . Deste modo, “as belas florações no reino da natureza organizada falam muito em prol do realismo da conformidade a fins estética da natureza, já que se poderia admitir que na causa produtora à base da produção do belo tenha jazido uma idéia dele, a saber um fim favorável a nossa faculdade de imaginação. As florações e até as figuras de plantas inteiras, a elegância das formações animais de todas as espécies, desnecessárias ao próprio uso mas por assim dizer escolhidas para o nosso gosto; principalmente, a multiplicidade das cores, tão complacente e atraente aos nossos olhos, e a sua composição harmônica (no faisão, em crustáceos, em insetos e até nas flores mais comuns), que, enquanto concernem simplesmente à superfície e também nesta nem sequer à figura das criaturas - a qual contudo ainda poderia ser requerida para os fins internos das mesmas - parecem visar inteiramente à contemplação externa: conferem um grande peso ao modo de explicação mediante a adoção de fins efetivos da natureza para faculdade de juízo estética” . Nesse sentido, podemos falar que a natureza apresenta uma analogia com a arte. Pois, diante de um produto da arte bela tem-se que tomar consciência de que ele é arte e não natureza. Todavia, a conformidade a fins na forma do mesmo tem que parecer tão livre de toda coerção de regras arbitrarias, como se ele fosse um produto da simples natureza. Sobre este sentimento de liberdade no jogo de nossas faculdades de conhecimento, que, pois, tem que ser ao mesmo tempo conforme afins, assenta aquele prazer que unicamente, é universalmente comunicável, sem contudo se fundar em conceitos. A natureza era bela se ela ao mesmo parecia ser arte; e a arte somente pode ser denominada bela se temos consciência de que ele é arte e de que apesar disso nos parece ser natureza Portanto, quer se trate de beleza natural ou beleza artística, belo é aquilo que apraz no simples ajuizamento, não na sensação e nem tampouco mediante um conceito.
Por outro lado, para algo ser considerado enquanto um fim natural é necessário, primeiramente, que as suas partes (segundo a sua existência e a sua forma, somente sejam possíveis mediante a sua relação com o todo. Com efeito, “a própria causa é um fim, por conseguinte apreendida sob um conceito ou uma idéia que tem que determinar a priori tudo o que nele deve estar contido. Mas na medida em que uma coisa somente é pensada como possível deste modo, é meramente uma obra de arte, isto é, o produto de uma causa racional distinta da matéria (das partes) daquela mesma obra, cuja causalidade (na constituição e ligação das partes) é determinada através da sua idéia de um todo tornado assim possível (por conseguinte não mediante a natureza fora de si)
Contudo, se uma coisa como produto natural deva conter em si mesma e na sua necessidade interna uma relação a fins, isto é, ser somente possível como fim natural e sem a causalidade dos conceitos de seres racionais fora dela, então para tanto deve exigir-se em segundo lugar, que as partes dessa mesma coisa se liguem a unidade ou um todo e que elas sejam reciprocamente causa e efeito de sua forma. Pois, só assim é possível que inversamente ( e reciprocamente) a idéia do todo, por sua vez, determine a forma e a ligação das partes: não como causa - pois que assim seria um produto da arte -, mas sim como fundamento de conhecimento da unidade sistemática da forma e ligação de todo o múltiplo que está contido na matéria dada, para aquele que ajuíza essa coisa” Portanto, em um produto da natureza, cada uma das suas partes só existe mediante as outras, é pensada em função das outras e por causa do todo, ou seja, como instrumento, órgão . Mas apenas isto não basta, pois, ela também poderia ser instrumento da arte e desse modo ser representado em geral somente como fim. Entretanto, quando um órgão produz as outras partes, - consequentemente, cada uma produzindo reciprocamente as outras -, não pode ser instrumento da arte, mas somente da natureza, a qual fornece toda a matéria aos instrumentos (mesmo aos da arte). Somente então e por isso poderemos chamar a um tal produto, enquanto ser organizado e organizando-se a si mesmo, um fim natural.
A beleza da natureza pode com razão ser designada como um analogon da arte, já que ela é atribuída aos objetos somente em relação sobre a intuição externa dos mesmos, consequentemente somente devido as formas superficiais. E a “organização, como fim interno da natureza excede infinitamente toda a faculdade de uma apresentação semelhante através da arte”
Uma vez que a natureza é bela quando possui a aparência de arte e a arte é bela quando tem aparência de natureza, então o produto da arte não deve se apresentar enquanto resultado de um fim, mas sim enquanto algo casual e contingente, “embora a finalidade no produto da arte bela na verdade seja intencional, ela contudo não tem que parecer intencional; isto é, a arte bela tem que passar por natureza, conquanto tenhamos consciência dela como arte. Um produto da arte, porém, aparece como natureza pelo fato de que na verdade foi encontrada toda a exatidão no acordo com regras segundo as quais, unicamente, o produto pode tornar-se aquilo que ela deva ser, mas sem esforço, sem que transpareça a forma acadêmica, isto é, sem mostrar um vestígio de que a regra tenha estado diante dos olhos do artista e tenha algemado as faculdades de seu ânimo” . Portanto, o que a arte bela tem em comum com a bela natureza é precisamente a impossibilidade de julgá-la com base no principio do realismo da finalidade, pois, ou o ignoramos ou dele nos abstraímos. A arte deve parecer um produto da natureza, o que implica em dizer que a bela arte deve derivas as suas regras basicamente da natureza do sujeito. E a faculdade pela qual a natureza do sujeito dá regra à arte e o Gênio; isto é, “Gênio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte. Já que o próprio talento enquanto faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza, também se poderia expressar assim Gênio é a inata disposição de ânimo pela qual a natureza dá a regra à arte” . Portanto, quando Kant nos diz que a natureza só é bela quando possui aparência de arte, então, ele concebe a arte enquanto pura e simples intencionalidade (finalidade prática e técnica); em suma, a arte é apreendida por Kant no seu significado geral de operação que procede segundo fins. Entretanto, ele não pensa em arte mecânica, sim na arte bela, naquele tipo de arte que possui aparência de natureza. Contudo, quando fala de arte com aparência de natureza, não se esta falando da natureza que produz organismos, mas na natureza bela (contingência da natureza bela). Arte e natureza se identificam na beleza, “conservando a única intencionalidade compatível com a contingência da natureza, se faz arte bela, e a natureza, conservando a única contingência compatível com a intencionalidade da arte se faz natureza bela: a intencionalidade da arte humana se tempera com a contingência natural, a contingência da natureza como organismos se funde com a intencionalidade da arte humana; o espírito se faz natureza, e a natureza espírito; o espírito toma o caráter da natureza, e a natureza toma o caráter do espírito. (...)Se a arte fosse somente intencional, não seria bela, mas seria somente arte mecânica; se a natureza fosse somente contingente, não seria bela, mas seria somente organismo. (...)A coincidência de contingência e intencionalidade é a espontaneidade, que é um proceder ao acaso que é conjuntamente procurar; inventar que emerge de um tentar, e tentar em vista de um inventar. Nesse sentido, o organismo se torna a obra de arte da natureza enquanto arte, e a obra é organismo produzido pela arte enquanto natureza” . Deste modo, os produtos da bela natureza e os da bela arte são, concomitantemente, intencionais e contingente, e desta maneira, são contempláveis. “Natureza e arte são ambas produtoras espontâneas de formas, organismos dotados de uma espontânea, isto é, contingente e ao mesmo tempo intencional, finalidade interna, e precisamente por isso, contempláveis . A produção enquanto produção de formas é figuração intencional e contingente, e o produto de tal figuração é por si mesmo contemplável” . Neste sentido, Pareyson nos pergunta acerca da natureza estética kantiana: A estética de Kant é uma estética da contemplação ou da produção?; A estética kantiana é uma filosofia do belo por natureza ou uma filosofia da arte?; Qual o lugar da arte no sistema crítico kantiano?
Diferentemente de Gadamer , Pareyson conclui que a estética kantiana, indubitavelmente, procura ser uma filosofia da contemplação estética, entretanto, ela acaba por se tornar uma estética da produção. “Na verdade, o tratamento da contemplação inevitavelmente conduz Kant a falar de expressão, a propósito do sublime, e de identidade, ou pelo menos da analogia entre natureza bela e arte bela. No fundo, a bem se ver, o próprio Kant tem consciência dessa profunda tendência da sua estética, da qual procedem as estéticas românticas da produção, quando afirmam a centralidade do conceito de arte. Na estética kantiana, o conceito central é o conceito de arte, contrariando a quanto possa parecer, com base na interpretação, segundo a qual a estética kantiana não pode senão justificar o belo por natureza” . Esta concepção pode ser justificada a partir de três pontos. Primeiramente, natureza e arte tão estão estreitamente ligadas na Terceira Crítica que não é possível separar juízo estético do juízo teleológico e juízo teleológico do juízo estético, como atesta a concepção de beleza aderente. Em segundo lugar, temos o fato de ser a arte o tema central da Crítica do Juízo, visto que, a filosofia possui apenas duas ( metafísica dos costumes e metafísica da natureza), enquanto que a crítica tem três, pois, às duas primeiras é necessário que se acrescente uma terceira, com o objetivo de buscar no sujeito o ponto de encontro dos dois mundos, “ver-se-á que o novo modo de considerar os dois mundos, isto é, uma novo modo de considerar a natureza, tal que a ponha em acordo com a razão, é a arte, porque a natureza é manifestação do supra-sensível das faculdades do sujeito, no qual, a natureza em nós está unida com a razão, e consequentemente, também a natureza fora de nós, é o gênio, que é verdadeiramente o superador do conhecimento e da moralidade, em uma esfera na qual estas duas mesmas atividades são unificadas . Em terceiro lugar, na própria tabela que Kant propõe à Terceira Crítica, e na qual o sistema das três críticas é reassumido, com referência do sistema das duas partes da filosofia (Natureza e Liberdade), explicitamente, a arte é posta entre os dois. “Toda a Crítica do Juízo vem posta sob a única e comum insígnia da arte” , o que verdadeiramente vem confirmar a grande importância que assume na doutrina kantiana a concepção de beleza aderente, como aquela que une - na natureza compreendida enquanto arte e na arte enquanto natureza - as duas partes da crítica do juízo - o juízo estético e o juízo teleológico - reunidas sob o conceito de arte.









BIBLIOGRAFIA



GADAMER, Hans-Georg. Verdad y Metodo; Fundamentos de uma hermeneutica filosofica. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1977.
LUKÁCS, George. “A questão Lógica do Particular em Kant e Schellin”. In: Introdução a uma Estética Marxista. - Sobre a Categoria da Particularidade; tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. - Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1968.
KANT, Imanuel. A Crítica do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993
PAREYSON, Luigi. L’Estetica di Kant. Milano: Mursia, 1968.
_______________. Problemas de Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
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