terça-feira, 12 de maio de 2009

O que é ensinado nas escolas brasileiras?

O que é ensinado nas escolas brasileiras? Essa pergunta pode ser respondida por todos nós de maneira mais ou menos clara. Todos nós sabemos que nas nossas escolas se ensinam matemática, biologia, física, história, entre outros conteúdos acadêmicos. As crianças aprendem que dois mais dois somam quatro, que cinco ao quadrado fazem vinte e cinco, que o sete cortado é nomenclatura do passado, que antes das letras P e B deve-se colocar a letra M; ou seja, no caso da língua portuguesa, a escola ensina as palavras e a gramática que as organiza, sentido e forma de criar o sentido lógico dos conteúdos simbólicos. A escola ensina o nome da lei que explica porque as coisas mais pesadas do que a atmosfera são atraídas para o centro do nosso planeta. Ensina também a distância entre as estrelas e demonstra matematicamente o método cientifico usado nesse caso. A escola conta História. Descreve a origem da civilização humana na Mesopotâmia. Narra as guerra, descreve os heróis e os traidores, os seus motivos. Fala dos povos e dos impérios, das idéias que originaram sociedades e do modo de vida (do ethos) de cada povo.
O que um jovem aprende na escola é ler e escrever, contar, subtrair, multiplicar e dividir, os verbos e suas conjugações, a história e a geografia, biologia, física e química...
Muitas vezes aprendemos coisas que não tem sentido para a nossa vida. Rubens Alves, em recente artigo da Folha de S. Paulo, se pergunta

“quem tomou a decisão de tornar obrigatório o conhecimento dessas informações? Por que esses saberes devem ser aprendidos? O que é que os adolescentes vão fazer com esses nomes? Nomes, nada mais do que nomes...
Esforço inútil, porque tudo será esquecido. A memória não é burra. Não carrega conhecimento que não fazem sentido. A memória inteligente sabe esquecer [...]” (ALVES, Rubens. Fim dos vestibulares? Folha de São Paulo. 12-05-2009, C2)

Diante das indagações de Rubens Alves, somos obrigados a nos perguntar: o que é que um estudante não aprende na escola?

Segundo Gabriel, o pensador , na letra da sua música Estudo Errado:

“Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocinoNão aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatosDesse jeito até história fica chatoMas os velhos me disseram que o "porque" é o segredoEntão quando eu num entendo nada, eu levanto o dedoPorque eu quero usar a mente pra ficar inteligenteEu sei que ainda num sou gente grande, mas eu já sou genteE sei que o estudo é uma coisa boaO problema é que sem motivação a gente enjoaO sistema bota um monte de abobrinha no programaMas pra aprender a ser um ingonorante [...]”

Toda escola tem no seu projeto político pedagógico uma fundamentação filosófica, sociológica e antropológica que define (ou pelo menos tenta definir) qual a idéia de Homem que busca formar, ou seja, a escola forma um cidadão para uma determinada sociedade. A instituição escolar tem por principio a transformação do sujeito. Em obras literárias como O Ateneu (de Raul Pompéia) ou Infância (de Graciliano Ramos), percebemos que existe essa definição filosófico-antropológica que nos mostra o sujeito e a sociedade daquela época. Assim, na música de Gabriel, o pensador, podemos encontrar indícios do que não se estuda na escola.

A nossa escola não estuda o significado e o sentido da palavra justiça. Não explora os problemas quase infinitos que se colocam para quem tenta guiar seu juízo e sua ação por um mundo mais justo. A escola não leva os estudantes a perguntar se seria possível conceber a justiça apenas a partir de sua posição e de seus interesses pessoais. Podemos falar em justiça (num sujeito justo) se não superarmos os nossos próprios interesses, se não alcançarmos um ponto de vista mais amplo, mais universal, onde os interesses e paixões de outros homens possam ser contrapostos e validados ao lado dos seus...

A escola não ensina nada (ou ensina muito pouco) sobre o sentimento de compaixão, de solidariedade. Ela não mostra a importância social desses sentimentos que nascem quando o individuo tem consciência da dor e do sofrimento de outros homens. Ela não associa este sentimento à construção nde uma sociedade mais solidária.

A escola muitas vezes presa numa atmosfera embebida pela pseudociência, perdeu o caráter de formadora e difusora de valores. Ela não ensina aos jovens que uma virtude como a coragem (tão admirada em outras sociedade e em outras épocas) pode se tornar perversa e perigosa sem a prudência, injusta sem a sabedoria, imprudente sem a temperança. Jovens orgulhosos da sua capacidade de superar o medo deveriam debater com outros jovens que a virtude da coragem só merece admiração se for direcionada para uma causa justa, se for guiada por uma outra virtude. É importante que eles discutam situações reais em que a coragem permite superar a adversidade, as circunstâncias em que ela fez um povo crescer. É igualmente importante examinar situações onde a audácia de romper os limites e contornar as regras geram irreparáveis situações de dor e sofrimento coletivo que tornaram ignóbil e imperdoável a coragem que esteve presente naquele momento que originou a ação.
E a virtude da prudência? Os gregos supervalorizavam essa virtude, chegando a considerá-la a mais importante dentre todas as virtudes. O que seria a prudência? Nossos estudantes deveriam saber que a prudência é uma espécie de anteparo prévio para eventuais erros provocados pelos excessos ora da coragem, ora da prepotência, ora da insensatez? Não será a origem de ações fulgurantes, mas poderá sempre evitar a dor, a magoa, desastres que as vezes sucedem atos e gestos que nossa vontade de imprimir uma marca pessoal ao mundo.
A virtude da prudência é a virtude dos homens que se sabem falíveis, capazes de errar. É a capacidade de “prever” o inesperado que está escondido por detrás ou depois da ação. É a virtude de agir bem, de acertar mais e errar menos. É uma forma de humildade perante o futuro que afasta a coragem da temeridade e da insensatez.
Essas virtudes aqui apresentadas de modo breve podem ser facilmente localizadas na obra aristotélica “Ética a Nicômacos”. Idéias filosóficas tão antigas e paradoxalmente tão modernas.
Por exemplo, a discussão do conceito de prudência pode ser extremamente útil nos cursos de educação para o transito ou educação sexual?
A nossa escola, segundo Gabriel, o pensador, produz saberes que devem ser memorizados para a realização de uma prova (seja ela do ENEM ou de um concurso público qualquer). O aluno se sente um ser sem autonomia jogado em aulas marcadas por um ritmo monótono que lembram uma ladainha decorada mas não compreendida.

“Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueciDecorei, copiei, memorizei, mas não entendiQuase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueciDecorei, copiei, memorizei, mas não entendiDecoreba: esse é o método de ensino”

A escola brasileira não se preocupa com temas que levam a pensar o cotidiano, as questões humanas, os assuntos éticos...

Coragem, temperança, cortesia, solidariedade, humildade, pureza, humor, estética, ética, justiça... a escola nunca estuda (ou estuda muito pouco) esses assuntos.

O que aconteceu com esses temas que antigamente eram a base do processo educativo? Por que foram expurgados da escola? Por que deixaram de constituir temas curriculares muito precisos? Que processo tirou a filosofia ética da educação?

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