quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Epidemias na História: a Revolta da Vacina, a Gripe Espanhola e a Pandemia de Covid-19 em uma Proposta de Aula Interdisciplinar

 


Epidemias na História: a Revolta da Vacina, a Gripe Espanhola e a Pandemia de Covid-19 em uma Proposta de Aula Interdisciplinar

Ronaldo Campos (ronaldo.campos@educacao.mg.gov.br)


Resumo

Este artigo apresenta a proposta e a análise de uma experiência interdisciplinar desenvolvida com estudantes do terceiro ano do Ensino Médio do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), cujo tema central foram as epidemias na história: a Revolta da Vacina (1904), a Gripe Espanhola (1918) e a pandemia de Covid-19 (2020). A prática buscou integrar os saberes da História, Biologia, Filosofia e Matemática, promovendo uma aprendizagem significativa que relaciona passado e presente, ciência e sociedade, negacionismo e valorização do conhecimento científico. O estudo discute os fundamentos teóricos da interdisciplinaridade, a relevância da abordagem histórica das epidemias e o papel da escola no combate às fake news em tempos de crise sanitária. A metodologia adotada incluiu aula expositiva-dialogada, análise de dados estatísticos e debates coletivos em formato remoto (Google Meet). Os resultados apontam para o potencial da interdisciplinaridade no fortalecimento da educação científica, no desenvolvimento do pensamento crítico e na formação cidadã dos estudantes.

Palavras-chave: interdisciplinaridade; ensino de História; pandemias; educação científica; Covid-19.


 

Abstract

This article presents the proposal and analysis of an interdisciplinary teaching experience carried out with third-year high school students at the Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG). The central theme was epidemics in history: the Vaccine Revolt (1904), the Spanish Flu (1918), and the Covid-19 pandemic (2020). The practice sought to integrate knowledge from History, Biology, Philosophy, and Mathematics, promoting meaningful learning that connects past and present, science and society, negationism and the valorization of scientific knowledge. The study discusses the theoretical foundations of interdisciplinarity, the relevance of the historical approach to epidemics, and the role of schools in combating fake news during health crises. The methodology included an expository-dialogued class, statistical data analysis, and collective debates in a remote format (Google Meet). The results highlight the potential of interdisciplinarity to strengthen scientific education, foster critical thinking, and contribute to students’ citizenship formation.

Keywords: interdisciplinarity; history teaching; pandemics; scientific education; Covid-19.

 

 

Introdução

O início de 2020 foi marcado pelo surgimento de uma pneumonia incomum em Wuhan, na China, que rapidamente se espalhou pelo mundo e levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar a Covid-19 como pandemia em março daquele ano. O impacto foi imediato: governos adotaram medidas emergenciais de contenção, entre elas o distanciamento social e a suspensão das aulas presenciais. No Brasil, escolas públicas e privadas implementaram o Ensino Remoto Emergencial (ERE), o que trouxe desafios pedagógicos, mas também abriu espaço para reflexões críticas sobre o papel da ciência, da política e da sociedade diante de crises sanitárias.

A História mostra que a pandemia de Covid-19 não é um fenômeno isolado. O Brasil já havia enfrentado outros episódios marcantes, como a Revolta da Vacina em 1904 e a epidemia da Gripe Espanhola em 1918. Ambos os acontecimentos expuseram tensões entre políticas de saúde, ciência e reações populares, em um cenário de disputas entre informação e desinformação. Ao resgatar esses episódios históricos em diálogo com o presente, torna-se possível problematizar continuidades e rupturas, ampliando a compreensão crítica dos estudantes.

Este artigo apresenta uma proposta de aula interdisciplinar que articula História, Biologia, Filosofia e Matemática para discutir epidemias ao longo do tempo. O objetivo é analisar como tal prática pedagógica pode contribuir para a valorização do conhecimento científico, para o combate às fake news e para a formação cidadã em um contexto de pandemia.


Referencial teórico

A interdisciplinaridade tem sido apontada como estratégia fundamental para superar a fragmentação do conhecimento e aproximar os conteúdos escolares da realidade dos estudantes (POMBO, 2020). No ensino de História, em especial, a articulação com outras áreas do saber favorece o desenvolvimento da consciência crítica e o entendimento das relações entre ciência, sociedade e cultura (SEVCENKO, 2018).

Ao abordar as epidemias, a proposta pedagógica também se apoia na perspectiva de que a educação científica deve capacitar os estudantes não apenas a memorizar informações, mas a compreender processos, questionar discursos e avaliar criticamente fontes de informação (DEMO, 2005). A pandemia de Covid-19 evidenciou a urgência desse papel, diante da proliferação de fake news e do crescimento de movimentos negacionistas que desafiaram autoridades sanitárias em escala global (LEVI, 2018).

Nesse sentido, estudar a Revolta da Vacina e a Gripe Espanhola não apenas contextualiza historicamente os desafios do presente, mas possibilita discutir as permanências das tensões entre ciência, política e sociedade, além de promover reflexões filosóficas sobre alteridade, solidariedade e convivência em tempos de crise.


Metodologia

A proposta foi implementada no Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), com estudantes do 3º ano do Ensino Médio. A atividade teve duração de uma hora/aula, realizada em formato remoto por meio da plataforma Google Meet, em dezembro de 2020.

A aula foi planejada em caráter interdisciplinar, envolvendo quatro áreas:

  • História: contextualização da Primeira República, urbanização do Rio de Janeiro, Revolta da Vacina e a Gripe Espanhola.
  • Biologia: conceitos de imunização, história das vacinas, formulação vacinal e fases de desenvolvimento de imunizantes.
  • Filosofia: reflexões sobre alteridade, convivência comunitária e relações humanas em contextos de pandemia.
  • Matemática: análise de dados estatísticos, modelos matemáticos de propagação de doenças e curva exponencial.

A metodologia utilizada incluiu exposição dialogada com apoio de slides (PowerPoint), análise de dados estatísticos oficiais, debates coletivos e estímulo à reflexão crítica.


Discussão

A experiência permitiu observar que os estudantes se engajaram ativamente na comparação entre epidemias passadas e a pandemia atual. O enfoque interdisciplinar possibilitou compreender que as epidemias são fenômenos complexos, que exigem múltiplos olhares — históricos, científicos, sociais e filosóficos.

Na área de História, os alunos perceberam que a resistência à vacinação em 1904 e a disseminação de notícias falsas em 1918 guardam semelhanças com o negacionismo observado durante a Covid-19. Em Biologia, compreenderam a importância da vacinação e os processos de produção científica. Em Filosofia, problematizaram os impactos éticos e sociais das medidas de isolamento. Em Matemática, aprenderam a interpretar dados e gráficos, fortalecendo sua capacidade de análise crítica da informação.

Essa integração revelou que a interdisciplinaridade favorece a aprendizagem significativa, fortalece o pensamento crítico e amplia a percepção do papel social da ciência.


Considerações finais

A proposta de aula interdisciplinar sobre epidemias mostrou-se relevante para articular conteúdos de diferentes áreas e promover reflexões críticas sobre ciência, sociedade e cidadania. Ao relacionar passado e presente, a prática contribuiu para que os estudantes reconhecessem as permanências históricas e os desafios contemporâneos das crises sanitárias.

Além disso, a experiência ressaltou a importância da escola no enfrentamento da desinformação e na valorização do conhecimento científico, especialmente em tempos de pandemia. Conclui-se que iniciativas interdisciplinares como esta podem potencializar a educação científica e contribuir para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes.


Referências

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 2005.
LEVI, Guido Carlos. Doenças que mudaram a história. São Paulo: Contexto, 2018.
POMBO, Olga. Interdisciplinaridade: conceito, problemas e perspectivas. Disponível em: https://webpages.ciencias.ulisboa.pt/~ommartins/mathesis/interdisciplinaridade.pdf. Acesso em: 16 nov. 2020.
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. São Paulo: Unesp, 2018.


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