Epidemias na História: a Revolta da Vacina, a Gripe Espanhola e a Pandemia de Covid-19 em uma Proposta de Aula Interdisciplinar
Ronaldo Campos (ronaldo.campos@educacao.mg.gov.br)
Resumo
Este artigo apresenta a proposta e a análise de uma
experiência interdisciplinar desenvolvida com estudantes do terceiro ano do
Ensino Médio do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG), cujo tema central
foram as epidemias na história: a Revolta da Vacina (1904), a Gripe Espanhola
(1918) e a pandemia de Covid-19 (2020). A prática buscou integrar os saberes da
História, Biologia, Filosofia e Matemática, promovendo uma aprendizagem
significativa que relaciona passado e presente, ciência e sociedade, negacionismo
e valorização do conhecimento científico. O estudo discute os fundamentos
teóricos da interdisciplinaridade, a relevância da abordagem histórica das
epidemias e o papel da escola no combate às fake news em tempos de crise
sanitária. A metodologia adotada incluiu aula expositiva-dialogada, análise de
dados estatísticos e debates coletivos em formato remoto (Google Meet). Os
resultados apontam para o potencial da interdisciplinaridade no fortalecimento
da educação científica, no desenvolvimento do pensamento crítico e na formação
cidadã dos estudantes.
Palavras-chave: interdisciplinaridade; ensino de
História; pandemias; educação científica; Covid-19.
Abstract
This article presents the proposal and analysis of an
interdisciplinary teaching experience carried out with third-year high school
students at the Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG). The central theme
was epidemics in history: the Vaccine Revolt (1904), the Spanish Flu (1918),
and the Covid-19 pandemic (2020). The practice sought to integrate knowledge
from History, Biology, Philosophy, and Mathematics, promoting meaningful
learning that connects past and present, science and society, negationism and
the valorization of scientific knowledge. The study discusses the theoretical
foundations of interdisciplinarity, the relevance of the historical approach to
epidemics, and the role of schools in combating fake news during health crises.
The methodology included an expository-dialogued class, statistical data
analysis, and collective debates in a remote format (Google Meet). The results
highlight the potential of interdisciplinarity to strengthen scientific
education, foster critical thinking, and contribute to students’ citizenship
formation.
Keywords: interdisciplinarity; history teaching;
pandemics; scientific education; Covid-19.
Introdução
O início de 2020 foi marcado pelo surgimento de uma
pneumonia incomum em Wuhan, na China, que rapidamente se espalhou pelo mundo e
levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar a Covid-19 como pandemia
em março daquele ano. O impacto foi imediato: governos adotaram medidas
emergenciais de contenção, entre elas o distanciamento social e a suspensão das
aulas presenciais. No Brasil, escolas públicas e privadas implementaram o
Ensino Remoto Emergencial (ERE), o que trouxe desafios pedagógicos, mas também
abriu espaço para reflexões críticas sobre o papel da ciência, da política e da
sociedade diante de crises sanitárias.
A História mostra que a pandemia de Covid-19 não é um
fenômeno isolado. O Brasil já havia enfrentado outros episódios marcantes, como
a Revolta da Vacina em 1904 e a epidemia da Gripe Espanhola em 1918. Ambos os
acontecimentos expuseram tensões entre políticas de saúde, ciência e reações
populares, em um cenário de disputas entre informação e desinformação. Ao
resgatar esses episódios históricos em diálogo com o presente, torna-se
possível problematizar continuidades e rupturas, ampliando a compreensão crítica
dos estudantes.
Este artigo apresenta uma proposta de aula interdisciplinar
que articula História, Biologia, Filosofia e Matemática para discutir epidemias
ao longo do tempo. O objetivo é analisar como tal prática pedagógica pode
contribuir para a valorização do conhecimento científico, para o combate às
fake news e para a formação cidadã em um contexto de pandemia.
Referencial teórico
A interdisciplinaridade tem sido apontada como estratégia
fundamental para superar a fragmentação do conhecimento e aproximar os
conteúdos escolares da realidade dos estudantes (POMBO, 2020). No ensino de
História, em especial, a articulação com outras áreas do saber favorece o
desenvolvimento da consciência crítica e o entendimento das relações entre
ciência, sociedade e cultura (SEVCENKO, 2018).
Ao abordar as epidemias, a proposta pedagógica também se
apoia na perspectiva de que a educação científica deve capacitar os estudantes
não apenas a memorizar informações, mas a compreender processos, questionar
discursos e avaliar criticamente fontes de informação (DEMO, 2005). A pandemia
de Covid-19 evidenciou a urgência desse papel, diante da proliferação de fake
news e do crescimento de movimentos negacionistas que desafiaram autoridades
sanitárias em escala global (LEVI, 2018).
Nesse sentido, estudar a Revolta da Vacina e a Gripe
Espanhola não apenas contextualiza historicamente os desafios do presente, mas
possibilita discutir as permanências das tensões entre ciência, política e
sociedade, além de promover reflexões filosóficas sobre alteridade,
solidariedade e convivência em tempos de crise.
Metodologia
A proposta foi implementada no Instituto de Educação de
Minas Gerais (IEMG), com estudantes do 3º ano do Ensino Médio. A atividade teve
duração de uma hora/aula, realizada em formato remoto por meio da plataforma
Google Meet, em dezembro de 2020.
A aula foi planejada em caráter interdisciplinar, envolvendo
quatro áreas:
- História:
contextualização da Primeira República, urbanização do Rio de Janeiro,
Revolta da Vacina e a Gripe Espanhola.
- Biologia:
conceitos de imunização, história das vacinas, formulação vacinal e fases
de desenvolvimento de imunizantes.
- Filosofia:
reflexões sobre alteridade, convivência comunitária e relações humanas em
contextos de pandemia.
- Matemática:
análise de dados estatísticos, modelos matemáticos de propagação de
doenças e curva exponencial.
A metodologia utilizada incluiu exposição dialogada com
apoio de slides (PowerPoint), análise de dados estatísticos oficiais, debates
coletivos e estímulo à reflexão crítica.
Discussão
A experiência permitiu observar que os estudantes se
engajaram ativamente na comparação entre epidemias passadas e a pandemia atual.
O enfoque interdisciplinar possibilitou compreender que as epidemias são
fenômenos complexos, que exigem múltiplos olhares — históricos, científicos,
sociais e filosóficos.
Na área de História, os alunos perceberam que a resistência
à vacinação em 1904 e a disseminação de notícias falsas em 1918 guardam
semelhanças com o negacionismo observado durante a Covid-19. Em Biologia,
compreenderam a importância da vacinação e os processos de produção científica.
Em Filosofia, problematizaram os impactos éticos e sociais das medidas de
isolamento. Em Matemática, aprenderam a interpretar dados e gráficos,
fortalecendo sua capacidade de análise crítica da informação.
Essa integração revelou que a interdisciplinaridade favorece
a aprendizagem significativa, fortalece o pensamento crítico e amplia a
percepção do papel social da ciência.
Considerações finais
A proposta de aula interdisciplinar sobre epidemias
mostrou-se relevante para articular conteúdos de diferentes áreas e promover
reflexões críticas sobre ciência, sociedade e cidadania. Ao relacionar passado
e presente, a prática contribuiu para que os estudantes reconhecessem as
permanências históricas e os desafios contemporâneos das crises sanitárias.
Além disso, a experiência ressaltou a importância da escola
no enfrentamento da desinformação e na valorização do conhecimento científico,
especialmente em tempos de pandemia. Conclui-se que iniciativas
interdisciplinares como esta podem potencializar a educação científica e
contribuir para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes.
Referências
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores
Associados, 2005.
LEVI, Guido Carlos. Doenças que mudaram a história. São Paulo: Contexto,
2018.
POMBO, Olga. Interdisciplinaridade: conceito, problemas e perspectivas.
Disponível em: https://webpages.ciencias.ulisboa.pt/~ommartins/mathesis/interdisciplinaridade.pdf.
Acesso em: 16 nov. 2020.
SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina. São Paulo: Unesp, 2018.
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