segunda-feira, 9 de abril de 2012

Antropologia: uma ciência da modernidade







"De quem é o olhar
que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
enquanto estou pensando?"
Fernando Pessoa



O termo antropologia não é utilizado de maneira uniforme em todo o mundo, por exemplo, nos Estados Unidos é mais usada a designação Antropologia Cultural, enquanto que na Grã-Bretanha o termo antropologia social designa ou a etnologia, ou a antropologia cultural. Nos países europeus – por exemplo, na França – observa-se uma tendência para o uso dos três termos que representam os níveis de pesquisa que, gradualmente, vêm estabelecendo nos Estados Unidos dentro da Antropologia Cultural: etnografia, etnologia comparada, antropologia social. Os autores nacionais fazem uso de ambas as designações. Philippe Laburthe-Tolra e Jean Pierre Warnier explicam os motives das diferenças na terminologia e no uso delas: “Por oposição à antropologia americana definida e considerada uma antropologia cultural herdeira de Herder e de Tylor, a antropologia definiu-se na Grã-Bretanha por referência a Morgan e Durkheim, isto é, uma antropologia social. À medida que não existe civilização que não seja a de uma dada sociedade que não seja portadora de uma civilização, os adjetivos ‘cultural’ e ‘social’ que qualificam, respectivamente, a antropologia americana e britânica não indicam uma diferença de ênfase, ou, antes, de opção quanto à forma escolhida para abordar os fatos socioculturais.” (LABURTHE-TOLRA, P., WARNIER, J.-P., Etnologia-Antropologia. Petrópolis: Vozes, 1997, p.68.)

Para a atual pesquisa histórica, a abordagem antropológica é uma das mais fecundas e promissoras, visto que nos permite desvelar o cotidiano dos povos sem romper com os laços sócio-culturais inerentes de cada um. O olhar sobre essas maneiras típicas de apreender o mundo torna possível desvendar o particular de cada fato que fez a História, ou seja, possibilita a nossa aproximação das práticas próprias de cada grupo com os olhos dos homens de então, descentrando o nosso olhar e despojando dos condicionamentos históricos-ideológicos, dos maneirismos racionalistas e fantasiosos.
A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber é algo tão antigo quanto à própria humanidade, e ocorreram nos quatro cantos do mundo. Por exemplo, muito antes da constituição da antropologia como ciência (aproximadamente quatro séculos antes de Cristo) Confúcio diz que “A natureza dos homens é a mesma, são os seus hábitos que os mantém separados” (LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p.10.)O que significa que o homem não precisou de um saber constituído para interrogar-se sobre si mesmo. Pois, em todas as sociedades existiram homens que observavam homens e que elaboraram formas de explicação para as diferenças e semelhanças entre eles e os outros, onde poderia ocorrer a negação ou a afirmação da condição humana do grupo observado. Ou seja, no decorrer da História da humanidade tentou-se descobrir a chave do enigma que explicaria o motivo de termos na espécie humana lado a lado uma unidade biológica da espécie e uma grande diversidade cultural.
Nos próximos paragráfos, seguirei o percurso proposto por Laraia no seu livro Cultura – um conceito atropológico, e procurarei observar de modo claro o fato que grande parte das teorias elaboradas não conseguiu explicar tal dilema em toda a sua extensão. Assim, contrariamente a muitas das teorias, podemos afirmar as características biológicas não são determinantes das diferenças culturais: por exemplo, se uma criança brasileira for criada na França (se for colocada desde o início em situação conveniente de aprendizado), ela crescerá como uma francesa, aprendendo a língua, os hábitos, crenças e valores dos franceses. Podemos citar, ainda, o fato de que muitas atividades que são atribuídas às mulheres numa cultura são responsabilidade dos homens em outra. A espécie humana se diferencia anatômica e filologicamente através do dimorfismo sexual, mas é falso dizer que as diferenças de comportamentos existentes entre as pessoas de sexos diferentes sejam determinadas biologicamente. As distinções entre os sexos é fruto de um aprendizado, que é gerado a partir de um processo que chamamos de endoculturação (processo de aprendizagem e educação de uma cultura, desde a infância até à idade adulta).
Tentou-se também explicar as diferenças culturais entre os povos a partir das variações climáticas e geográficas, isto é, através de um determinismo geográfico considerava-se que as diferenças do ambiente físico condicionam (e/ou determinam) a diversidade cultural. Marco Pólo afirma que: “Os povos do sul tem uma inteligência aguda, devido à raridade da atmosfera e ao calor; enquanto os das nações do norte, tendo se desenvolvido numa atmosfera densa e esfriados pelos vapores dos ares carregados, têm uma inteligência preguiçosa” E Jean Bodin por sua vez nos diz que “Os povos do norte têm um liquido dominante de vida o fleuma, enquanto os do sul são dominados pela bílis negra. Em decorrência disso, os nórdicos são fieis, leais aos governantes, cruéis e pouco interessados sexualmente; os do sul são maliciosos, engenhosos, abertos, orientados para a ciência, mas mal adaptados para as atividades políticas.
Entretanto, tais teorias que criadas no século XIX, ganharam muita popularidade esbarram numa constatação como pode haver uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico. Um bom exemplo, são o lapões e os esquimós. Eles vivem em ambientes muito semelhantes – os lapões (no norte da Europa) e os esquimós (no norte da América). Era de se esperar que eles tivessem comportamentos semelhantes, mas seus estilos de vida são bem diferentes: os esquimós constroem os iglus amontoando blocos de gelo num formato de colméia e forram a casa por dentro com peles de animais, com a ajuda do fogo, eles conseguem manter o interior da casa aquecido e quando quererem se mudar, o esquimó abandona a casa levando apenas suas coisas e constrói um novo iglu; por sua vez, os lapões vivem em tendas de peles de rena, quando desejam se mudar, eles têm que desmontar o acampamento, secar as peles e transportar tudo para o novo local. Eles criam renas, enquanto os esquimós apenas caçam renas.
Este exemplo e tantos outros os quais podemos recorrer servem para mostrar as diferenças de comportamentos entre os homens não podem ser explicadas através das diversidades somatológicas ou mesológicas. Tanto o determinismo geográfico como o determinismo biológico é incapaz de resolver tal dilema proposto inicialmente. As diferenças existentes entre os homens não podem ser explicadas a partir das limitações impostas pelo meio ambiente ou pelo seu aparato físico, visto que a grande qualidade do homem foi a de romper com as suas próprias limitações. Pois, caso contrário, como explicar a seguinte pergunta: “Será que o sol que brilhou para os livres gregos e romanos emitem diferentes raios sobre os seus descendentes?

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