Sempre me espantou a existência de um curso tão
específico quanto a Biblioteconomia — ou, como andam chamando agora,
“Biblioteconomia e Ciência da Informação”. O nome, afinal, é o de menos. O que
importa é que, no meu ofício de professor, descobri que o sujeito diplomado
para essa tarefa é mais raro nas bibliotecas escolares que dente de ouro em
galinha. Uma peça de museu, em suma.
O que se encontra é um batalhão de anjos designados:
gente que fez um curso técnico apressado, quase um almoço rápido, e ali está.
Eles podem ser o que os alunos chamam de "professores da biblioteca" ou o
que a direção rotula como "professores em desvio de função". Na
maioria das vezes, é um funcionário com essa rápida iniciação que assume o
posto.
O problema de ser designado é ser provisório. Assim, o
que um começa, no ano seguinte o outro desfaz, para começar de novo e, é claro,
não terminar coisa alguma. É a eterna dança da incompetência bem-intencionada.
Talvez isso explique aquela piada clássica do curso de
História: a de que o "Raízes do Brasil", do Sérgio Buarque de
Holanda, certa vez foi catalogado numa biblioteca na seção de... Botânica. Um
erro dessa magnitude só pode ser cometido por quem está devendo mais que a
Bíblia no quesito "instrução". O bibliotecário de verdade evitaria; o
designado, coitado, com a cabeça cheia de outras tarefas, acaba cometendo a
proeza.
Outro drama é a obstinação contra o novo. Na cabeça do
pessoal que administra o espaço, a biblioteca é um relicário para enciclopédias
empoeiradas, dicionários e gramáticas. Quadrinhos, nem pensar. "Coisa de
menino", "Subliteratura", "Lixo da indústria
cultural!".
Eu, leitor inveterado de gibis, tinha uma coleção enorme.
Doei uma parte à gibiteca da antiga Fafich, mas ainda sobrava um monte. Em
2002, no Instituto de Educação, vi a chance. Sugeri à responsável criarmos uma
gibiteca para os alunos. Ela, surpreendentemente, gostou. Doei minhas revistas
e alguns romances, incluindo "O Nome da Rosa", de Umberto Eco, de que
me arrependi no minuto seguinte. A gente sempre se arrepende das boas ações.
No ano seguinte, vi um aluno com um gibi do Batman, um
dos meus. "Conseguiu onde?", perguntei. "Ganhei na
biblioteca", ele respondeu. Deu vontade de brigar, mas engoli o veneno.
Anos depois, entendi: a boa vontade não basta; era preciso um projeto,
coordenação, direção, papiros e carimbos.
Tempos mais tarde, já no prédio da Guajajaras, um colega
me procurou aflito, sem achar todos os números da Revista Pedagógica do IEMG.
Perguntou se havia procurado na biblioteca. Ele disse que sim, só havia alguns.
Lembrei-me do último número, que chegou da gráfica em plena pandemia. Ninguém
pôde fazer o lançamento festivo. Mas, na confusão da escola, alguém teve a
"brilhante ideia" de distribuí-la junto com a cesta básica dos
alunos. O último número foi embora, sem cerimônia. Se eu não tivesse reservado
uma caixa, nem eu teria meu exemplar.
Prontifiquei-me a doar cinco cópias de cada edição que me
restava, mais um exemplar do livro que escrevi sobre a história do IEMG, que,
pasmem, a biblioteca não possuía. Saí de lá com a alma leve, sentindo que havia
corrigido uma pequena injustiça cósmica.
O que sei é que a gente tenta. Outro dia, a responsável
pela biblioteca, toda orgulhosa das suas "mudanças", abriu um armário
para me mostrar o novo. E lá estavam, em sacos plásticos, meus cinco exemplares
de cada revista e o meu livro. Intocados e, provavelmente, "separados
para descarte".
Você pode estar se perguntando se é coisa só da minha
escola. Devo informar que não. Recebi notícias de que, na escola que foi o
primeiro grupo escolar de Belo Horizonte, a biblioteca foi transferida para um
espaço estreito onde não cabe nem um projeto de leitura. Nessa mesma escola
centenária, dizem que há uma grande caixa onde são jogados os "livros
velhos". Afinal, a biblioteca escolar de hoje tem estantes coloridas,
paredes lúdicas e decoradas. Esse lugar idealmente projetado não pode ter
livros feios.
Assim, nos sebos da minha cidade, é possível encontrar
exemplares com carimbos importantes de bibliotecas escolares. Eu mesmo já
comprei livros com o carimbo do Instituto de Educação e da Escola Normal
Modelo. Exemplares que ainda não os doei de volta para a escola, com medo de que caiam
nessa grande caixa e não sejam salvos pela Estante Virtual, mas sim
transformados em papel reciclado.
Moral da história? Os livros, meu amigo, têm a tendência
de acabar voltando para o limbo de onde vieram, mesmo depois de serem salvos.
Afinal, a melhor forma de garantir que a informação sobreviva é escondê-la com
zelo, de preferência no fundo de um armário, dentro de uma sacola, esperando a
próxima remessa de bananas e macarrão, ou, melhor ainda, numa grande caixa de
papelão no canto da sala. Lá, ninguém jamais correrá o risco de encontrá-la,
muito menos de lê-la. E a ordem, finalmente, reinará.
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