Há coisas que acontecem numa escola que a gente, por mais
que insista, jamais consegue entender. Veja só o caso do Instituto de Educação
de Minas Gerais, que é menos um prédio e mais um imenso quarteirão engolido
pela região central de Belo Horizonte. Está lá, plantado entre as ruas Pernambuco,
Paraíba, Carandaí e Timbiras.
Desde 1990, unificaram tudo sob o nome pomposo de IEMG.
Mas, no tempo em que a vida ainda tinha esquinas, o quarteirão era uma
Trindade: o antigo Instituto de Educação de Minas Gerais (o Prédio da
Pernambuco), a Escola Estadual Luiz Peçanha (na Paraíba) e o Jardim da Infância
Presidente Kennedy (na Carandaí). Na face da Timbiras, espreitava o Serviço de
Orientação Profissional (o SOSP), uma sigla mais misteriosa que útil.
Tanta grandeza, claro, só podia gerar uma dificuldade
primária: a de se locomover. Havia (e ainda há, imagino) uma série de portões
trancados durante o período letivo. A lógica é cristalina: evitar que a
rapaziada fique passeando à toa, trocando a aula pelo recreio eterno. Se
pensamos nos alunos, a medida está corretíssima, a bem da ordem. Mas se
pensamos nos professores, estes sim, obrigados a viver numa espécie de
revezamento olímpico.
Talvez você, meu caro leitor, pense com sua lógica
cartesiana: “Ora, os horários devem levar isso em conta! Concentra-se as aulas
de um professor num mesmo canto do mapa.”
Ledos enganos. Não é isso que acontece.
Por quase dez anos, meu mundo foi o ensino fundamental, e
o IEMG fazia de mim um pêndulo. A divisão era assim: o quinto ano da tarde
ficava no prédio da Rua Pernambuco; o sexto ano, na Paraíba. No meu primeiro
ano, calharam-me justamente os dois. Pensei, com a ingenuidade dos
recém-chegados: “Um dia dou aula para um, no outro, para o outro.” Que paz!
Para a minha surpresa, o que recebi foi um horário
desenhado por um sádico: uma aula do quinto, seguida por uma do sexto. Depois,
mais uma do quinto e outra do sexto. Para, finalmente, encerrar com o quinto
ano. Uma legítima correria. E não esqueçamos: os prédios do IEMG são um
labirinto de escadas, corredores sem fim e um conjunto gigante de quadras que
fica bem no meio desse circo.
O início do dia era tranquilo. Eu chegava por volta das
12h30, tendo antes que ouvir, a plenos pulmões, a fanfarra do Instituto
ensaiando – uma trilha sonora épica para o calvário que se iniciava.
Chegava a hora, e eu me enfiava na sala do quinto ano.
Superlotada, claro. Naquela época, a cidade inteira queria estudar no IEMG.
Alunos muito educados, embora falantes como qualquer criança, e que respondiam
com entusiasmo a tudo que lhes propúnhamos.
A aula se estendia sempre uns minutinhos. Era o tempo de
juntar o material e sair correndo para o prédio da Paraíba. E eis que no meio
do caminho, invariavelmente, o portão que dava acesso às quadras estava fechado.
De longe, no parapeito do outro prédio, os meus alunos acenavam. E eu ali,
esperando que algum funcionário ou professor de Educação Física se movesse,
numa lentidão bíblica, para abrir o portão. A cena se repetia mais umas duas
vezes por tarde.
Você, meu caro leitor, deve estar se perguntando: por que
cargas d’água a escola não me fornecia uma chave? E eu respondo para você: - não sei!
Eu fiz essa pergunta muitas vezes e não recebi resposta e muito menos uma chave.
Simples: existiam outros dois portões, além daquele, até
chegar à sala. O que abria o da quadra, abria os demais. O problema não era a
chave, era o tempo da burocracia.
No início, achei que aquele horário era provisório. Que,
logo que percebessem o absurdo do percurso, mudariam tudo. Que nada. Veio um
novo horário e a alternância de prédios persistiu, inabalável. “Isso deve ser
perseguição”, pensei. Mas, conversando com os colegas, descobri que eles
passavam ou tinham passado pelo mesmo. Reclamei, ainda assim. Mudaram uma
coisinha ali, outra aqui, sem fazer grandes alterações na essência do drama.
No final, entendi: para quem montava o horário, aquilo
era uma espécie de rito de passagem. Se você quer fincar o pé aqui, meu jovem,
vai ter que se submeter a alguns perrengues. O tempo passou, e a cada ano que
eu ficava mais no Instituto, meu horário se tornava mais civilizado, com menos
problemas. Eram os recém-chegados que viviam, então, o corre-corre do início de
carreira. E o ciclo, como a vida, se fechava, absurdo e divertido.
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