sábado, 11 de outubro de 2025

Belo Horizonte, Boina e Batom: Crônica de uma Invasão Pedagógica




 Belo Horizonte, naquela época que vai dos vinte aos trinta, era uma cidade que se levava a sério, mas não muito. O Brasil, diziam os jornais, estava mudando. De repente, a gente precisava ser moderno. Não que soubéssemos bem o que era isso, mas a ordem era mudar os costumes, dar um jeito na sociedade, especialmente naquelas partes que davam mais trabalho. A intervenção vinha de cima, dos intelectuais de óculos e dos estrangeiros com sotaque que chegavam na capital mineira para plantar a semente do novo ensino.

A cidade, então, virou um pequeno palco de ópera. Chegavam mestras americanas, professoras que voltavam de Boston com o cabelo cortado na nuca, e, principalmente, elas: as moças do interior.

Era a Escola de Aperfeiçoamento, veja você. Um nome pomposo para o que era, na verdade, um celeiro de novidades. Nosso poeta maior, o Drummond, que andava por ali, meio vadio, meio preocupado com o reaparelhamento do Estado — porque, naquela época, até o poeta se preocupava com o Secretário de Educação, Francisco Campos.

Ele registrou o fenômeno num poema, "As moças da Escola de Aperfeiçoamento", publicado ali no Estado de Minas. E o poema nos dá a chave: de repente, Belo Horizonte estava repleta. Não eram cinquenta, nem duzentas, mas mil moças. Eram a elite do Estado, filhas das Minas que vinham de Poços de Caldas, Juiz de Fora, Itajubá, com o único propósito de aprenderem as palavras estrangeiras: Decroly, Clararède, e os segredos revelados por Helène Antipoff e Mademoiselle Milde. A fina flor da pedagogia.

Mas o que realmente importava não eram as teorias. Eram as boinas.

        


Boina azul, verde, roxa, alaranjada. Lábios "coracionais" e aquele tom petulante que só quem acabou de escapar da fazenda ostenta. Pareciam ter desembarcado de Paris "par le dernier bateau", ancorado na Avenida Afonso Pena ou na Bahia. Tinham sombrinhas tom pouce, e a gente, nós os rapazes da capital, ficávamos sem saber se eram melindrosas cariocas em férias ou uma nova espécie de ser.




O provincianismo mineiro rangia os dentes. A Igreja, sempre ela, tremia de medo das consequências: moças fora de casa, na cidade grande, aprendendo coisas demais. Mas Drummond, o bicho-do-mato moderno, só via beleza.


Enquanto a gente passava no "bonde burocrático", admirava os palacetes art-nouveau e os alpendres com castelos a óleo. A cidade era letrada, cheia de recitais e banquetes literários. E, no meio disso, as professorinhas. Ao contrário das nossas meninas locais, reclusas, essas criaturas do interior passeavam soltas. Batom, boinas e uma demonstração de liberdade que desorientava qualquer um de nós, rapazes frágeis, irresponsáveis, dementes.


A gente só queria saber de namorar e amar. E a Escola de Aperfeiçoamento, essa fábrica de modernidade, jogava na nossa frente centenas de belezas que não olhavam para ninguém.


A Escola, dizem os historiadores, foi um modelo, a primeira experiência de ensino superior em educação no Brasil. Durou vinte anos e, depois, virou curso, virou Instituto, virou UEMG. No fim, virou mais uma dessas coisas sérias que a gente estuda.


Mas, para mim, ela só virou uma lembrança. Uma lembrança colorida e fugaz de que, no fundo, a verdadeira modernização de Minas não veio de nenhum plano do Secretário, nem de nenhuma teoria estrangeira, mas sim daquelas moças que, com um batom escarlate, roubaram a paz de espírito dos estudantes vadios e provaram que a liberdade, quando chega, vem sempre de boina e não se importa se você está olhando ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário