segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O Educador com a Palavra na Ponta do Lápis: Uma Crônica de Raymundo Nonato Fernandes

 De todos os personagens do meu livro "Histórias Inspiradoras: as biografias que moldaram o Instituto de Educação de Minas Gerais, uma se destaca. Acredito que é pelo fato de ter conhecido o personagem principal dessa narrativa. É a história de Raymundo Nonato.



A vida, para certas pessoas, parece tecida com o fio de um destino claro, ainda que cheio de curvas. Raymundo Nonato Fernandes, que nasceu lá em Itamarandiba em 1928, no Vale do Jequitinhonha, era um desses.

Décimo terceiro numa lista de diretores, quinto a dirigir o Instituto de Educação de Minas Gerais, o que ele tinha de número ele tinha de palavra. Mestre em filosofia e psicologia, dono de uma cultura que a gente só pode chamar de esmerada, Raymundo não falava: ele encantava. Era um orador com "pleno controle das plateias", como se diz nos livros. O tipo de mineiro que, de tão reservado, quando abria a boca, era para dizer algo que valia o silêncio quebrado.

“Como professor ou conferencista, sua principal arma sempre foi a palavra, por ele manejada com a destreza dos grandes estrategistas.”

Ora, um estrategista que usa a palavra para falar de amor e escola.

Ele cresceu no meio de uma alegria bonita. O pai, Olympio Fernandes Filho, era um gênio autodidata, um animador cultural. Imagino a casa: cheia de livros, talvez um piano desafinado e o cheiro bom de café, com a poesia flutuando no ar. É nesse caldo que Raymundo aprende as primeiras letras, não numa sala de aula fria, mas na sala de estar de D. Quitinha, lá perto do Serro.

Naquele tempo, a escola isolada funcionava na Praça da Matriz, e quem o alfabetizou mesmo foi Zeca de Adelaide, uma amiga da família, com 17 anos. A formação de Raymundo, como a de muitos grandes, começou no íntimo, no aconchego da casa e dos amigos, antes de ir para as "escolas reunidas" em Santa Maria do Suaçuí, acompanhando o trabalho do pai.

Aos doze, o seminário. Nove anos de disciplina, estudo e a certeza de um caminho. Mas, como a vida é uma ironia de contínuos desvios, uma questão política obriga a família a se mudar para a capital. Aquele breve afastamento do claustro foi o suficiente para o destino, sorrateiro, sussurrar: "Não serás padre, Raymundo. Serás educador."

Lá se foi ele fazer o Exame de Madureza — um nome que já é uma crônica em si. E na Faculdade de Filosofia, no edifício Acaiaca, encontra Maria de Lourdes, de tradicional família mineira. O amor, como o conhecimento, também exige um certo bacharelado e licenciatura. Casaram-se e tiveram quatro filhos.

Na capital, trabalhou, deu aulas particulares, foi fiscal de barreiras. Mas o seu púlpito era a educação. Ao lado de Pedro Parafita de Bessa, foi para a Secretaria de Educação e, vejam só, ajudou a fundar e dirigir um ginásio em sua Itamarandiba natal, tornando-o farol para o Norte de Minas. A educação como um ir e vir, um eterno retorno à terra de origem.

Quando chegou à direção geral do Instituto de Educação de Minas Gerais (1967 a 1977), a escola vivia uma "grave crise econômica e de grande agitação política". Pois Raymundo Nonato, o homem da palavra elegante, mostrou-se também um conciliador pragmático.

Se a educação se faz com amor, e o amor está no lar, que se traga o lar para a escola! Criou a Aciemg, a Associação Comunitária, com uma filosofia deliciosa:

“Os pais tornam-se amigos dos professores de seus filhos no lugar de criar problemas.”

É quase uma frase de almanaque, dessas que a gente guarda para os momentos de cinismo. Mas Raymundo acreditava de verdade. Sua gestão foi feita de reformas no prédio, de reorganização de órgãos internos, de criação do Curso de Pedagogia, e daquela convicção simples e imensa de que: “a sala de aula é o berço da nacionalidade.”

E não é que o I Congresso de Orientação e Ensino, feito por ele, deu origem à revista AMAE Educando, que circulou por quase meio século? A palavra, de novo, gerando o futuro.

Sua saída do IEMG em 1977, por uma "atitude equivocada" do secretário da época, foi apenas mais uma curva. O homem que tinha nascido para ser padre, mas se tornou educador, nunca parou. Foi membro titular do Instituto Histórico e Geográfico, onde ocupou a cadeira do patrono Aurélio Pires.

Recebeu insígnias, medalhas, comendas. Mas seu último ato de glória foi um livro, em 2018: Caminhos da Educação. Uma obra que, de certa forma, era sua própria crônica, seu diário de bordo. Raymundo Nonato Fernandes, o mineiro elegante, o contador de histórias, o estrategista da palavra, soube que a educação, como a vida, é um caminho que se faz escrevendo, falando, amando e, sobretudo, deixando a porta aberta para que a comunidade entre.

Faleceu em 1º de abril de 2020. Mas o sorriso, a fala elegante e a convicção de que a escola é o alicerce de tudo, isso fica. Fica na memória, como uma boa crônica lida no jornal da manhã.



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