Parafraseando o Legião Urbana, escola é um lugar estranho... de gente esquecida. Mas o mais estranho é a gente esquecida de si mesma, no limbo entre o cansaço de um ano letivo e a promessa de férias que nunca chega.
Deixe-me explicar contando uma história.
Era final de ano, aquela época em que a escola, que já é uma instituição com vocação para o desgaste, entra em modo de pane lenta. Provas, diários, trabalhos para planejar, corrigir, avaliar... tudo feito em casa, na madrugada, enquanto o sono implora pela rendição. E, na sala dos professores, o humor é a única defesa.
Virou piada interna: quando um colega via o outro cambaleando, dizia com a voz mais solidária possível: "Preocupa não, amanhã eu dou as suas aulas e ainda as minhas. Junto todo mundo numa sala. Uma festa!"
Todos riem, claro. Sabem que é uma mentira piedosa, um abraço verbal. Mas alivia a alma saber que alguém entende o seu fardo.
Pois bem, há alguns anos, numa dessas manhãs de cansaço generalizado, onde a escola funcionava em cinco horários diários, o espírito brincalhão e solidário do corpo docente extrapolou as barreiras da ficção. Uma professora — já veterana, quase aposentando, com aquela aura de quem já viu de tudo e não tem medo de mais nada — soltou na sala dos professores a piada da semana:
— Colegas, notícia de última hora! O vice-diretor liberou todo mundo. Alunos e professores, podem ir para casa mais cedo!
O relógio marcava pouco mais de 10h30. O quarto horário mal havia se ajeitado, e o quinto ainda estava intacto. A piada era evidente.
O problema, meu amigo, é que havia uma plateia que não estava na rodada interna do stand-up comedy pedagógico.
Uma ASB, dessas funcionárias do Estado que, com a vassoura e o pano, sustentam o esqueleto da escola, estava por ali. Ela ouviu. E, no limbo da exaustão do final do ano, ela acreditou.
O que se seguiu foi uma demonstração de eficiência silenciosa e sindicalizada que jamais se viu em termos de organização de prova. Em menos de dez minutos, todas as ASBs (do setor de alimentação e da limpeza) tinham arrumado suas coisas, assinado o livro de ponto e evaporado. Ficaram apenas os professores nas salas de aula e o porteiro, nas duas portarias.
Aquilo era um desastre invisível. O turno da tarde não podia começar sem as salas varridas, as carteiras organizadas e, crucialmente, sem que o serviço da cantina estivesse adiantado. Em um piscar de olhos, a piada transformou a escola em um campo de batalha pós-apocalíptico, onde a única evidência do sumiço era o acúmulo de lixo.
O vice-diretor, pobre coitado, só notou que havia algo de terrivelmente errado quando um silêncio sobrenatural tomou conta dos corredores. O silêncio não das aulas, mas da inércia. Olhou para o relógio: já era quase hora de encerrar o turno. Mas o sino não tocou.
A funcionária responsável por tocar o sino... também havia sido liberada pela piada.
O Fim da Escola Fantasma
O vice-diretor, um homem bravo que vivia de normas e horários, estava ali, parado, no meio daquela escola fantasma. O som mais alto era o da respiração dele e o murmúrio confuso dos alunos do quinto horário.
Ele não gritou. Não precisava. A realidade já gritava por ele. A escola parou, não por uma greve ou um feriado, mas por um ato de solidariedade equivocada. Naquele dia, a piada de uma professora sobre o cansaço havia se tornado a mais eficiente ordem de serviço da história da escola.
O vice-diretor apenas colocou as mãos na cabeça e balbuciou, para ninguém em particular: "Meu Deus. A professora brincou. E as ASBs, coitadas, apenas foram para casa descansar da verdade."
A escola não terminou com um sino, mas com um vazio. E a lição ficou: a escola pode ser um lugar de gente esquecida, mas a solidariedade, mesmo quando nasce de uma anedota boba, é a única coisa que todos, no fundo, querem levar para casa.
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