Sabe, meu caríssimo leitor, tem gente que nasce com um mapa na mão, mas
a Lúcia Schmidt Monteiro de Castro — que o mundo viria a conhecer como Lúcia
Casasanta — nasceu com um giz na mão e uma ideia luminosa na cabeça.
Ela veio ao mundo em 29 de maio de 1908, lá em Carancas
(Santa Luzia), na região metropolitana de Belo Horizonte. Filha de um
fazendeiro com sobrenome de Barão e de uma professora com sangue de educadores
alemães. Essa mistura de terra firme e método, de Minas Gerais com um pouco de
Europa, talvez já dissesse algo sobre o que ela seria.
Começou o primário em Ouro Preto, terminou-o na capital,
no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Em 1922, a sorte estava traçada, como era
quase um destino obrigatório para as "moças de boa família" da época:
matriculou-se no magistério, na Escola Normal Modelo de Belo Horizonte (atual Instituto de Educação de Minas Gerais - IEMG).
Mas Lúcia não era de esperar o diploma. Antes mesmo de se
formar normalista, em 1926, já estava lá, de volta ao Barão do Rio Branco, como
professora substituta de Música, Canto e Teoria Musical. Dizem que seus alunos
se saíam tão bem nos exames finais, publicados no "Minas Gerais", que
ela recebeu elogios que mais pareciam flores.
Aos 19 anos, a vida lhe deu um salto. O então governador,
Francisco Campos, um desses homens com a cabeça fervilhando de futuro, a
convidou para integrar um grupo de bolsistas. O destino? Nada menos que a Columbia
University, em Nova York, o tal "maior centro educacional do mundo".
Lúcia foi lá e, entre arranha-céus e ideais liberais, especializou-se em Metodologia
do Ensino da Língua Pátria. Ela estava aprendendo a ensinar a ler e a escrever
de um jeito que ninguém por aqui ousava.
Quando voltou, não quis saber de gabinete. Em parceria
com Alda Lodi, botou de pé a Escola de Aperfeiçoamento. Pense bem: uma "escola
laboratório", um lugar onde professoras que já estavam na lida se
reciclavam por dois anos, absorvendo teorias fresquinhas da América e da
Europa, para então voltarem às suas escolas como multiplicadoras. Era a ideia
do vírus bom, do contágio do saber.
Lúcia Casasanta virou a artífice de uma revolução
silenciosa: a Reforma de Ensino de Francisco Campos. A incerteza pedagógica era
grande, mas ela fincou o pé no Método Global de Contos para a alfabetização.
Acreditava que a aprendizagem não era um "dom" ou
"intuição" mágica do professor, mas sim ação planejada, resultado de
estudo e pesquisa, com um espírito científico na sala de aula. Era o fim da
mística e o começo do método. Seu método, revolucionário, deu resultados tão
"surpreendentes" que foi adotado em larga escala dos anos 30 até a
década de 70.
A vida pessoal corria paralela. Em 1933, casou-se com o
professor Mário Casasanta, e de um dia para o outro, assumiu quatro filhos
dele, crianças de dois a seis anos. Foi uma mulher de vida cheia, no lar e na
cátedra.
O tempo a viu alçar voos ainda mais altos. Em 1970, foi uma das fundadoras e a primeira
reitora da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Guarde bem este
detalhe: a mulher que não tinha concluído o primário a tempo se tornava
reitora.
Entre suas grandes paixões, a infância. Criou a primeira
biblioteca infantil do Brasil e a primeira clínica para correção de problemas
de leitura e linguagem. Ela queria que toda criança tivesse o seu próprio mapa
para as palavras.
Lúcia Casasanta se despediu em 4 de junho de 1989. Mas a
verdade é que gente assim não morre inteira. Sua obra didática, especialmente a
série "As mais belas histórias", permanece viva na memória de
educadores e de milhares de crianças que, graças a ela, deixaram de soletrar
sílabas para entrar, de um só golpe, no mundo inteiro dos contos. Uma vida que
foi, ela própria, a mais bela das histórias.
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