Dizem que o destino tem lá suas ironias, e o de Helena
Antipoff, uma russa nascida em 1892, na Grodno, na Russia Imperial, que então
era czarista, é prova cabal. Filha de um militar de alta patente e de uma
aristocrata — imagine-se o frisson nos salões de São Petersburgo —, ela parecia
fadada aos luxos e aos salões iluminados. Mas o que a atraía, de fato, era a
luz fria do saber.
Com a separação dos pais, a mudança para Paris veio a
calhar, trocando o gelo russo pelo efervescente intelectual da Sorbonne e do
Collège de France. Formou-se em Psicologia. E, não satisfeita com o diploma, transferiu-se
para Genebra, no Instituto Jean Jacques Rousseau, o templo da pedagogia da
época.
Em 1916, a Europa ardia nos eventos da Primeira Grande
Guerra Mundial, e a jovem Helena Antipoff, movida por laços de sangue, voltou à
Rússia ocupada para cuidar do pai ferido. No meio do furacão da
Revolução Bolchevique de 1917, ela não vestiu a camisa ideológica revolucionária,
mas arregaçou as mangas e ajudou os seus patrícios com uma obstinação sem
limites. Trabalhou em Viatka e São Petersburgo, lidando com o que o sistema
chamava, com a delicadeza de um trator, a infância desvalida e com os "jovens
delinquentes": garotos abandonados, órfãos da guerra ou da revolução, sem
teto, sem rumo e sem destino. O futuro era absolutamente incerto, mas a ciência
era sua bússola. Em 1921, como colaboradora no Laboratório de Psicologia
Experimental de São Petersburgo, atuou no campo social buscando minimizar os
efeitos negativos de tantas transformações.
A vida, porém, não lhe deu trégua. Casou-se com Viktor
Iretsky, escritor e jornalista que teve a infelicidade de desagradar o regime
soviético com suas ideias. Perseguido e preso, o jeito foi buscar o exílio em
Berlim. Sem espaço para seu trabalho na Alemanha, Helena retornou à Suíça, onde
pôde retomar sua carreira acadêmica de peso, assistindo o renomado Édouard
Claparède na Universidade de Genebra e lecionando no Instituto Rousseau. Estava
no centro do debate sobre o pensamento inteligente.
É aí que o mapa-múndi resolve pregar-lhe uma peça, ou um
aceno do destino. O governo de Minas Gerais, por obra e graça da Providência ou
de algum visionário, a convida para lecionar na Escola de Aperfeiçoamento. A
princípio, ela recusou, talvez achando que Minas era longe demais de Genebra.
Mas, em 1929, assinou o contrato. A Dama Russa aterrissava em Belo Horizonte.
Em Minas, Helena não apenas lecionou Psicologia. Ela
recriou um pedaço de Genebra, transformando o Laboratório de Psicologia da
Escola de Aperfeiçoamento em um caldeirão de teoria e prática. Seu trabalho ali
serviu de base para um programa vastíssimo de pesquisa sobre o desenvolvimento
mental das crianças mineiras. Seu objetivo não era dar receitas prontas, mas
preparar as futuras professoras para conhecer a criança com olhos científicos e
métodos novos.
O legado, contudo, só engatinhava. Em 1932, sob sua
presidência, nasceu a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte. A instituição
visava, inicialmente, cuidar das "crianças excepcionais" e assessorar
as professoras. Mas o leque de atuação era muito mais amplo: miséria, abandono,
deficiência mental. Em resumo, tratava-se de garantir o direito da criança em
situação de risco social. O Consultório Médico-Pedagógico, embrião do futuro
Instituto Pestalozzi, era a prova de que a filantropia tinha que andar de mãos
dadas com a ciência.
O projeto culminou, em 1940, na Escola da Fazenda do
Rosário, em Ibirité. Lá, em meio ao ambiente rural, ela aplicou os métodos da
Escola Ativa, centrados na autonomia da criança, fossem elas abandonadas ou
"excepcionais". Foi nessa fazenda que ela lavrou sua obra mais
significativa sobre educação especial, rural, criatividade e superdotação. Sua
filosofia era clara: uma atitude democrática, respeito à diversidade e fé na
ciência como motor de transformação.
Helena Antipoff, a moça dos salões de São Petersburgo,
entendeu que "talento e inteligência não são de geração espontânea".
Eles são o resultado de um longo trabalho, de oportunidades. E, como ela mesma
perguntou, com a precisão de um cirurgião de almas: "quem será pintor num
meio rural, onde a criança nem mesmo tem o direito de usas o lápis de
cor?".
A resposta, ela deu em vida e obra: a educação científica
e humanizada é o pincel que garante esse direito. E Minas, por sorte, foi o seu
vasto e fértil ateliê.
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