domingo, 12 de outubro de 2025

Helena Antipoff: A Dama Russa que Redesenhou a Escola em Minas (por Ronaldo Campos)


Dizem que o destino tem lá suas ironias, e o de Helena Antipoff, uma russa nascida em 1892, na Grodno, na Russia Imperial, que então era czarista, é prova cabal. Filha de um militar de alta patente e de uma aristocrata — imagine-se o frisson nos salões de São Petersburgo —, ela parecia fadada aos luxos e aos salões iluminados. Mas o que a atraía, de fato, era a luz fria do saber.

Com a separação dos pais, a mudança para Paris veio a calhar, trocando o gelo russo pelo efervescente intelectual da Sorbonne e do Collège de France. Formou-se em Psicologia. E, não satisfeita com o diploma, transferiu-se para Genebra, no Instituto Jean Jacques Rousseau, o templo da pedagogia da época.

Em 1916, a Europa ardia nos eventos da Primeira Grande Guerra Mundial, e a jovem Helena Antipoff, movida por laços de sangue, voltou à Rússia ocupada para cuidar do pai ferido. No meio do furacão da Revolução Bolchevique de 1917, ela não vestiu a camisa ideológica revolucionária, mas arregaçou as mangas e ajudou os seus patrícios com uma obstinação sem limites. Trabalhou em Viatka e São Petersburgo, lidando com o que o sistema chamava, com a delicadeza de um trator, a infância desvalida e com os "jovens delinquentes": garotos abandonados, órfãos da guerra ou da revolução, sem teto, sem rumo e sem destino. O futuro era absolutamente incerto, mas a ciência era sua bússola. Em 1921, como colaboradora no Laboratório de Psicologia Experimental de São Petersburgo, atuou no campo social buscando minimizar os efeitos negativos de tantas transformações.

A vida, porém, não lhe deu trégua. Casou-se com Viktor Iretsky, escritor e jornalista que teve a infelicidade de desagradar o regime soviético com suas ideias. Perseguido e preso, o jeito foi buscar o exílio em Berlim. Sem espaço para seu trabalho na Alemanha, Helena retornou à Suíça, onde pôde retomar sua carreira acadêmica de peso, assistindo o renomado Édouard Claparède na Universidade de Genebra e lecionando no Instituto Rousseau. Estava no centro do debate sobre o pensamento inteligente.

É aí que o mapa-múndi resolve pregar-lhe uma peça, ou um aceno do destino. O governo de Minas Gerais, por obra e graça da Providência ou de algum visionário, a convida para lecionar na Escola de Aperfeiçoamento. A princípio, ela recusou, talvez achando que Minas era longe demais de Genebra. Mas, em 1929, assinou o contrato. A Dama Russa aterrissava em Belo Horizonte.

Em Minas, Helena não apenas lecionou Psicologia. Ela recriou um pedaço de Genebra, transformando o Laboratório de Psicologia da Escola de Aperfeiçoamento em um caldeirão de teoria e prática. Seu trabalho ali serviu de base para um programa vastíssimo de pesquisa sobre o desenvolvimento mental das crianças mineiras. Seu objetivo não era dar receitas prontas, mas preparar as futuras professoras para conhecer a criança com olhos científicos e métodos novos.

O legado, contudo, só engatinhava. Em 1932, sob sua presidência, nasceu a Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte. A instituição visava, inicialmente, cuidar das "crianças excepcionais" e assessorar as professoras. Mas o leque de atuação era muito mais amplo: miséria, abandono, deficiência mental. Em resumo, tratava-se de garantir o direito da criança em situação de risco social. O Consultório Médico-Pedagógico, embrião do futuro Instituto Pestalozzi, era a prova de que a filantropia tinha que andar de mãos dadas com a ciência.

O projeto culminou, em 1940, na Escola da Fazenda do Rosário, em Ibirité. Lá, em meio ao ambiente rural, ela aplicou os métodos da Escola Ativa, centrados na autonomia da criança, fossem elas abandonadas ou "excepcionais". Foi nessa fazenda que ela lavrou sua obra mais significativa sobre educação especial, rural, criatividade e superdotação. Sua filosofia era clara: uma atitude democrática, respeito à diversidade e fé na ciência como motor de transformação.

Helena Antipoff, a moça dos salões de São Petersburgo, entendeu que "talento e inteligência não são de geração espontânea". Eles são o resultado de um longo trabalho, de oportunidades. E, como ela mesma perguntou, com a precisão de um cirurgião de almas: "quem será pintor num meio rural, onde a criança nem mesmo tem o direito de usas o lápis de cor?".

A resposta, ela deu em vida e obra: a educação científica e humanizada é o pincel que garante esse direito. E Minas, por sorte, foi o seu vasto e fértil ateliê.


 

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