Muito lembrando pelas alunas do Instituto de Educação, Rubens
Costa Romanelli é um nome que hoje batiza logradouros, uma biblioteca
universitária e um colégio em Minas Gerais. Contudo, o professor não é apenas uma efígie na memória
de Contagem e Belo Horizonte; é, antes de tudo, o retrato de uma inteligência
fulgurante, um autodidata que, à força de obstinação e vocação inexorável para
o magistério e a erudição, reescreveu a própria trajetória, alçando-se de
ajudante de mecânico a doutor em Letras e expoente da linguística.
A
Forja de um Erudito
A
vida de Rubens teve início em Divinópolis, no coração de Minas Gerais, a 17 de
setembro de 1913. Fruto do primeiro enlace de Osório Viana Romanelli com Lívia
Costa Romanelli, o menino era o quinto de seis irmãos. A infância, contudo,
seria logo marcada pelo infortúnio: a orfandade materna precoce e as constantes
mudanças de domicílio, ditadas pelo pai – que contrairia novas núpcias com Dona
Elisa, gerando outros quatro rebentos. Essa instabilidade impediu que Rubens
sequer concluísse o Curso Primário, iniciado em 1920.
Aos
onze anos, a vida lhe impôs o ofício em Ibiá, nas oficinas da antiga Estrada de
Ferro Oeste de Minas, onde se fez ajudante de mecânico. Três anos depois, em
Araxá, a lida virou ajudante de carpinteiro e marceneiro. Aos dezessete, o
menino-trabalhador ascendeu a contínuo nos escritórios da ferrovia. Foi ali,
num assomo de autodidatismo, que aprendeu a datilografar por um método que lhe
"caiu às mãos" e, com tal proeza, ganhou o posto de Auxiliar de
Escrita.
Aos
21 anos, um invento de sua lavra motivou sua transferência aos Escritórios
Centrais, em Belo Horizonte, com o ensejo de estudar Engenharia. Contudo, o
destino acadêmico estava sendo tramado pelas letras. No ano seguinte, em apenas
seis meses, superou o Curso de Madureza (o supletivo da época) e, mediante
aprovação em exames, saltou diretamente para a 4ª série ginasial, lecionando
ali mesmo Português e Matemática.
O
Triunfo do Magistério
O
Curso Secundário foi concluído, já com 26 anos, no Colégio Arnaldo. A acentuada
vocação para o ensino era inegável. Prestando os vestibulares, ingressou no
Curso de Letras da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais, a mesma onde,
durante dois anos, foi Monitor de Língua Grega. O Bacharelado em Letras
Clássicas veio em 1943.
Naquele
ano, desposou Alda Izapovitz Romanelli, mãe de suas três primeiras filhas:
Lívia, Lilavate e Liliane. Em 1944, deu o passo radical: demitiu-se do serviço
público para se consagrar, de modo exclusivo, ao magistério. Sua cátedra,
notável, brilhou no Colégio Estadual e no Instituto de Educação de Minas Gerais,
onde obteve, por concurso, a titularidade da Cadeira de Língua Latina.
A
escalada acadêmica culminou em 1963 com o Doutorado em Letras e o título de Livre
Docente da Cadeira de Língua Latina da então Universidade de Minas Gerais (hoje
UFMG). Aos trinta e poucos anos, Romanelli, o homem que não terminou o
primário, era já Diretor do Instituto de Humanidades. Sua inteligência,
descrita como "fulgurante", o situava, no diapasão do ideário
espírita que abraçava, como um "superdotado", cuja perspicácia era
explicada pela doutrina das vidas sucessivas.
O
reconhecimento cruzou o Atlântico. Em 1966, a convite do governo francês,
esteve na Sorbonne, realizando três cursos de especialização e, não menos
importante, ali lecionando. Em 1968, contraiu segundas núpcias com a educadora
Otaíza Bueno de Oliveira, que lhe daria Juliana e Elisa.
A
Obra Inacabada e o Legado
O
grande sonho da vida de Romanelli era o "Vocabulário Indo-Europeu e seu
Desenvolvimento Semântico", um esforço hercúleo de 31 anos de pesquisa que
pretendia abarcar 30 idiomas da família indo-europeia. O mestre, que dominava
doze idiomas, dedicou-se à pesquisa dos demais com o auxílio de dicionários. Em
1954, havia impresso 800 páginas de verbetes, cobrindo apenas a letra ‘A’.
Diante
da falta de interesse do Governo Brasileiro, aceitou a proposta da prestigiada "École
de Hautes Études", na França, que lhe ofereceu a infraestrutura e uma
equipe especializada para concluir o Dicionário. Entre 1973 e 1975,
permaneceu na França, mas a obra magna permaneceu inconclusa.
Seu
legado, contudo, é vasto. No campo da linguística, publicou "Do
Morfema Indo-Europeu ‘n’ em Latim" (1963), laureado pela Academia
Brasileira de Letras com o Prêmio de Filologia "João Ribeiro", e
"Os Prefixos Latinos" (1964). No domínio da filosofia científica,
deixou ensaios notáveis como "A Morte Térmica do Universo" e "A
Expansão do Universo e sua Significação Cosmogônica". Somam-se, ainda, 22
cargos e funções exercidas e oito títulos honrosos, entre prêmios e
condecorações, como a Medalha de Honra da Inconfidência.
O
Desencarne no Ar
A
vida de Rubens Costa Romanelli, tão dedicada à transcendência do saber, teve um
epílogo de tragédia e misticismo.
Em
22 de dezembro de 1978, o Professor, ao conduzir a família a Londrina, foi
vítima de um catastrófico acidente automobilístico perto de Itápolis, São
Paulo. O impacto foi fatal para a esposa, Otaíza, e a filha Elisa, que não
completara um ano.
Dois
dias depois, na manhã de 24 de dezembro, era transportado de avião,
politraumatizado, rumo a Belo Horizonte, acompanhado da filha Juliana (de oito
anos), de outra filha, Lilavate, e de um médico e amigo espírita. Ao
sobrevoarem o Lago de Furnas, Romanelli, já lívido e cianótico por força de uma
Embolia Pulmonar Gordurosa, pediu ao médico a mão da filha.
Foi
ali, "no ar", que Rubens Costa Romanelli "despedia-se das dores
do corpo físico, para despertar liberto e com a paz do cumprimento do dever de
consciência no Plano Infinito." O mestre das palavras e das ideias,
nascido para a "e formação" – o ato de libertar o ser da escravidão
das formas, como ele próprio teorizou – completava sua jornada terrena. Seu
corpo foi sepultado no dia de Natal de 1978, no Cemitério Parque da Colina, em
Belo Horizonte.
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