quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Grandes mestres: Rubens Costa Romanelli (Texto Ronaldo Campos)




Muito lembrando pelas alunas do Instituto de Educação, Rubens Costa Romanelli é um  nome que hoje batiza logradouros, uma biblioteca universitária e um colégio em Minas Gerais. Contudo, o professor não é apenas uma efígie na memória de Contagem e Belo Horizonte; é, antes de tudo, o retrato de uma inteligência fulgurante, um autodidata que, à força de obstinação e vocação inexorável para o magistério e a erudição, reescreveu a própria trajetória, alçando-se de ajudante de mecânico a doutor em Letras e expoente da linguística.

 

 

A Forja de um Erudito

 

A vida de Rubens teve início em Divinópolis, no coração de Minas Gerais, a 17 de setembro de 1913. Fruto do primeiro enlace de Osório Viana Romanelli com Lívia Costa Romanelli, o menino era o quinto de seis irmãos. A infância, contudo, seria logo marcada pelo infortúnio: a orfandade materna precoce e as constantes mudanças de domicílio, ditadas pelo pai – que contrairia novas núpcias com Dona Elisa, gerando outros quatro rebentos. Essa instabilidade impediu que Rubens sequer concluísse o Curso Primário, iniciado em 1920.

Aos onze anos, a vida lhe impôs o ofício em Ibiá, nas oficinas da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas, onde se fez ajudante de mecânico. Três anos depois, em Araxá, a lida virou ajudante de carpinteiro e marceneiro. Aos dezessete, o menino-trabalhador ascendeu a contínuo nos escritórios da ferrovia. Foi ali, num assomo de autodidatismo, que aprendeu a datilografar por um método que lhe "caiu às mãos" e, com tal proeza, ganhou o posto de Auxiliar de Escrita.

Aos 21 anos, um invento de sua lavra motivou sua transferência aos Escritórios Centrais, em Belo Horizonte, com o ensejo de estudar Engenharia. Contudo, o destino acadêmico estava sendo tramado pelas letras. No ano seguinte, em apenas seis meses, superou o Curso de Madureza (o supletivo da época) e, mediante aprovação em exames, saltou diretamente para a 4ª série ginasial, lecionando ali mesmo Português e Matemática.

 

 


O Triunfo do Magistério

 

O Curso Secundário foi concluído, já com 26 anos, no Colégio Arnaldo. A acentuada vocação para o ensino era inegável. Prestando os vestibulares, ingressou no Curso de Letras da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais, a mesma onde, durante dois anos, foi Monitor de Língua Grega. O Bacharelado em Letras Clássicas veio em 1943.

Naquele ano, desposou Alda Izapovitz Romanelli, mãe de suas três primeiras filhas: Lívia, Lilavate e Liliane. Em 1944, deu o passo radical: demitiu-se do serviço público para se consagrar, de modo exclusivo, ao magistério. Sua cátedra, notável, brilhou no Colégio Estadual e no Instituto de Educação de Minas Gerais, onde obteve, por concurso, a titularidade da Cadeira de Língua Latina.

A escalada acadêmica culminou em 1963 com o Doutorado em Letras e o título de Livre Docente da Cadeira de Língua Latina da então Universidade de Minas Gerais (hoje UFMG). Aos trinta e poucos anos, Romanelli, o homem que não terminou o primário, era já Diretor do Instituto de Humanidades. Sua inteligência, descrita como "fulgurante", o situava, no diapasão do ideário espírita que abraçava, como um "superdotado", cuja perspicácia era explicada pela doutrina das vidas sucessivas.

O reconhecimento cruzou o Atlântico. Em 1966, a convite do governo francês, esteve na Sorbonne, realizando três cursos de especialização e, não menos importante, ali lecionando. Em 1968, contraiu segundas núpcias com a educadora Otaíza Bueno de Oliveira, que lhe daria Juliana e Elisa.

 

 

A Obra Inacabada e o Legado

 

O grande sonho da vida de Romanelli era o "Vocabulário Indo-Europeu e seu Desenvolvimento Semântico", um esforço hercúleo de 31 anos de pesquisa que pretendia abarcar 30 idiomas da família indo-europeia. O mestre, que dominava doze idiomas, dedicou-se à pesquisa dos demais com o auxílio de dicionários. Em 1954, havia impresso 800 páginas de verbetes, cobrindo apenas a letra ‘A’.

Diante da falta de interesse do Governo Brasileiro, aceitou a proposta da prestigiada "École de Hautes Études", na França, que lhe ofereceu a infraestrutura e uma equipe especializada para concluir o Dicionário. Entre 1973 e 1975, permaneceu na França, mas a obra magna permaneceu inconclusa.

Seu legado, contudo, é vasto. No campo da linguística, publicou "Do Morfema Indo-Europeu ‘n’ em Latim" (1963), laureado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio de Filologia "João Ribeiro", e "Os Prefixos Latinos" (1964). No domínio da filosofia científica, deixou ensaios notáveis como "A Morte Térmica do Universo" e "A Expansão do Universo e sua Significação Cosmogônica". Somam-se, ainda, 22 cargos e funções exercidas e oito títulos honrosos, entre prêmios e condecorações, como a Medalha de Honra da Inconfidência.

 

 

O Desencarne no Ar

 

A vida de Rubens Costa Romanelli, tão dedicada à transcendência do saber, teve um epílogo de tragédia e misticismo.

Em 22 de dezembro de 1978, o Professor, ao conduzir a família a Londrina, foi vítima de um catastrófico acidente automobilístico perto de Itápolis, São Paulo. O impacto foi fatal para a esposa, Otaíza, e a filha Elisa, que não completara um ano.

Dois dias depois, na manhã de 24 de dezembro, era transportado de avião, politraumatizado, rumo a Belo Horizonte, acompanhado da filha Juliana (de oito anos), de outra filha, Lilavate, e de um médico e amigo espírita. Ao sobrevoarem o Lago de Furnas, Romanelli, já lívido e cianótico por força de uma Embolia Pulmonar Gordurosa, pediu ao médico a mão da filha.

Foi ali, "no ar", que Rubens Costa Romanelli "despedia-se das dores do corpo físico, para despertar liberto e com a paz do cumprimento do dever de consciência no Plano Infinito." O mestre das palavras e das ideias, nascido para a "e formação" – o ato de libertar o ser da escravidão das formas, como ele próprio teorizou – completava sua jornada terrena. Seu corpo foi sepultado no dia de Natal de 1978, no Cemitério Parque da Colina, em Belo Horizonte.

 


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