sábado, 11 de outubro de 2025

A Invenção do Dia de Ser Criança (Contada pela Dona Benta)



Vamos imaginar como Monteiro Lobato teria pensado uma história em que Dona Benta explicaria a criação do dia das crianças


A primavera se aproximava. Pedrinho, lá na casa dos pais, sonhava com as férias no Sítio. Enquanto isso, na varanda do Picapau Amarelo, numa tarde dessas de sol que pinta a paisagem de ouro velho, Narizinho, com um ar mais pensativo que o próprio Visconde quando desvendava mistérios de aranha, soltou a questão:

— Vovó Benta, de onde veio esse negócio de "Dia da Criança"? A gente já não é criança todo dia?

Dona Benta, que estava a bordar uma toalha de mesa para presentear a mãe de Pedrinho, com a paciência dos santos e a sabedoria dos livros, ergueu os óculos até a testa e sorriu. Emília, que surgia agora na varanda, tentava disfarçar a curiosidade, mas não conseguia.

— Ah, minha netinha, essa é uma história das boas! Uma história de gente grande que resolveu enxergar os miúdos.

O Visconde, que se balançava numa teia de aranha (coisa de quem tem miolo de sabugo, mas espírito de inventor e cientista), pigarreou.

— Se me permite, Dona Benta, devo antecipar que contribuirei com dados históricos precisos, extraídos das minhas enciclopédias de pólen.

— Deixe de ser pedante, Visconde! — retrucou Emília, enquanto Tia Nastácia, qual fada madrinha, surgia da cozinha com um travessa fumegante de bolinhos de chuva.

— A Vovó Benta conta melhor! — Sentenciou a boneca de pano e olhos de retros, já de olho na guloseima.

Dona Benta riu com gosto e balançou a cabeça, concordando com a boneca falante.

— Pois bem, meus queridos. Antigamente, muito antigamente mesmo, a infância era vista de um jeito estranho. As crianças eram tratadas como homúnculos.

Emília, claro, interrompeu imediatamente, perguntando o que era essa palavra tão difícil.

O Visconde, com sua sabedoria que parecia não ter fim, recitou o significado, como se o dicionário estivesse ali ao alcance da mão:

— Minha cara Marquesa, a palavra homúnculo vem do latim 'homunculus', que é o diminutivo de 'homo' (homem). Literalmente, significa 'homenzinho'. O termo foi adotado para designar a criança como um "mini-adulto", uma representação miniaturizada do ser humano, sem valorizar sua própria essência.

Dona Benta continuou:

— Exato! As crianças eram vistas e tratadas como "mini-adultos", como pequenos trabalhadores, pequenos súditos. Quase ninguém parava para pensar que a infância é um tempo especial, um reino de invenção e descoberta. A gente podia ser criança, claro, mas sem muito alarde.

Narizinho arregalou os olhos, pensando nas caixas da Estrela. — Quer dizer que ninguém ganhava brinquedo? Nem bolinho de chuva?

— Bolinho de chuva tem que ter todo dia! — Emília interveio com autoridade, roubando um bolinho antes que o Visconde pudesse argumentar.

— Quase isso, minha flor. Mas o mundo foi girando, e gente muito esperta começou a perceber que criança não é só um adulto que ainda não cresceu. Criança é criança, com seus próprios direitos, suas próprias fantasias e uma necessidade enorme de ser protegida e amada.

Emília sentou-se ainda mais perto de Dona Benta e, com a voz ligeiramente abafada pelos bolinhos, perguntou:

— E quem foi que teve a ideia de dar um dia só pra gente?

— Ora, dona Marquesa! — Dona Benta continuou, com um brilho no olhar. — Essa história tem um tanto de Brasil e um tanto de mundo. Lá para os lados de Genebra, na Suíça, depois de uma guerra muito feia, em 1924, criaram a "Declaração dos Direitos da Criança". Foi o primeiro passo para o mundo inteiro olhar com mais carinho. E depois, a ONU, aquela Organização das Nações Unidas, lá em 1959, fez uma Declaração de verdade para que todas as crianças tivessem seus direitos garantidos. Em resumo, meus queridos, no início do século XX, existia uma preocupação muito grande com a proteção dos menores, principalmente, das crianças desvalidas e pobres. Muitas eram obrigadas a trabalhar muitas horas seguidas e outras eram encarceradas por delitos. Lembra daquele livro que lemos onde o personagem Oliver Twist, um pobre órfão que passa por uma série de provações e busca sobreviver na crueldade das ruas de Londres.

 — Ah, mas a senhora está se esquecendo do mais importante, Vovó! — interveio Emília, sacudindo o pires. — E a parte daquele mineiro famoso... o Arthur Bernardes!

Dona Benta sorriu. — Muito bem lembrado, Emília! Aqui no Brasil, um homem chamado Arthur Bernardes, que era presidente do Brasil, instituiu a "Festa da Criança" em 12 de outrubro de 1924. Mas, essa comemoração não ficou muito popular de imediato. demorou um pouco para as coisas acontecerem!

Narizinho bateu palmas. — Então, foi um presidente do Brasil que inventou o nosso dia! Que chique! E ainda bem que hoje a Estrela e as outras fábricas existem para nos dar os brinquedos, Vovó!

Visconde, com toda a sua eloquência de um sabugo sabido, tomou a palavra e continuou a explicação de onde a dona Benta havia parado.

  Meus caros, a popularidade do dia da criança só se tornou uma realidade palpável na década de 1950, impulsionada por muitas campanhas publicitárias das empresas Estrela e Jonhson & Jonhson, que transformaram esse dia em evento comercial de presentes e brinquedos.

— E olha que interessante — Dona Benta concluiu, com um ar de quem revela um segredo. — O mundo inteiro, depois, também criou o seu Dia Universal da Criança, lá em 20 de novembro. Mas aqui, no Brasil, a gente já tinha o nosso antes! E por que o 12 de outubro, justo no feriado de Nossa Senhora Aparecida? Ninguém sabe ao certo, mas deve ser para que a gente nunca se esqueça de que o Dia da Criança também é um dia de luz, de proteção e de muito carinho.

Emília, com um sorriso matreiro, olhou para sua dona. — Então, Narizinho, já que a gente já é criança todo dia, o dia 12 de outubro é para a gente lembrar aos adultos que o nosso reino de invenção e descoberta precisa ser respeitado. E também, claro, para ganhar mais bolinhos de chuva!

Narizinho assentiu, com a boca cheia. — E presentes! Não se esqueça dos presentes, Emília! Criança precisa de presentes e de histórias bem contadas, como as da Vovó Benta.

E assim, entre bolinhos, risadas e a promessa de um presente da Estrela, a varanda do Sítio parecia o próprio 12 de outubro, lembrando a todos que a melhor forma de celebrar o Dia da Criança é, simplesmente, deixando-a ser a dona de seu próprio reino de fantasia.


Nenhum comentário:

Postar um comentário