O Poeta e as normalistas
(Artigo publicado no número 3 da Revista Pedagógica do IEMG de fevereiro de 2013)
Ronaldo
Campos
https://www.academia.edu/41607069/O_poeta_e_as_normalistas
Nas
décadas de 1920 a 1930, o Brasil passou por transformações radicais. A
sociedade brasileira, em especial, as parcelas menos favorecidas, foram objeto
de uma intervenção realizada por setores intelectuais médios com o objetivo de
alterar os modos de vida e os costumes. Pretendia-se modernizar o país, tanto
pelo discurso como por ações práticas.
Belo
Horizonte respirava ares de modernidade. A capital mineira estava repleta de
estrangeiros vindos do velho continente com a finalidade de realizar um
trabalho pioneiro e renovador do ensino brasileiro. Nessa época, professoras
mineiras regressavam da América do Norte com novas ideias. E muitas professoras
chegavam do interior para a capital, para estudar na Escola de Aperfeiçoamento.
O
nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, nos anos vinte, era um homem
moderno e preocupado com reaparelhamento e modernização do sistema educacional
de Minas Gerais gerado nos movimentos sociais da época e pela modernização
capitalista da reforma educacional dirigida por Francisco Campos. Essa
preocupação foi registrada no poema intitulado “As moças da escola de
aperfeiçoamento”. Esse poema foi originalmente publicado pelo jornal Estado de
Minas. Rita Lages Rodrigues publica integralmente o poema, no anexo VIII, do
seu livro dedicado a obra de Jeane Louise Milde.
A partir da leitura desse poema é possível
reencontrar a Belo Horizonte do início do século XX. Uma cidade cheia de
professorinhas que chegavam dos quatro cantos de Minas para na Escola de
Aperfeiçoamento. Elas faziam parte da elite do estado. Buscavam aprender o que
havia de mais moderno e inovador na área de pedagogia, psicologia e artes
“revelado” por Helène Antipoff e Mademoiselle Milde.
A chegada na capital mineira de tantas moças
do interior gerou também temor e medo. Reações típicas de provincianismo
mineiro da época. A igreja (que era muito conservadora) temia as consequências
geradas pelos efeitos do afastamento do lar e pela nova vida numa cidade
grande. Mas, para Drummond, essas moças eram bonitas, modernas e tinham ares
parisienses. Trajavam-se como se tivessem acabado de chegar de Paris “par
le dernier bateau [no último navio]\ ancorado na avenida\ Afonso Pena ou Bahia”
com os tom pouce (pequenas
sombrinhas). O poeta Carlos Drummond de Andrade
poetiza
a Belo Horizonte dos cinemas, dos “palacetes art-nouveau novinhos em folha”,
alpendres com pinturas a óleo de castelos – que o poeta admira passando no
“bonde burocrático”. Cita os recitais de música clássica no Teatro Municipal.
Fala sobre o banquete literário de dozes escritores no Hotel Avenida. Menciona
a eleição do Príncipe dos Poetas Mineiros. Enfim: encanta-se com essa capital
letradas que recebe moças para a Escola de Aperfeiçoamento, vindas de várias
interioranas. Ao contrário das meninas reclusas da capital e das internas do
Santa Maria, as “professorinhas” passeavam à solta pelas ruas e avenidas, de
boinas coloridas e de batom em “lábios coracionais”, deixando desorientados os
rapazes não acostumados com tamanha demonstração de liberdade (MALARD, 2005,
p.74)
A Escola de Aperfeiçoamento citado por
Drummond é considerada a primeira experiência no Brasil de implantação de
instituição de ensino superior na área da educação. Foi considerada uma
instituição modelo para todo o país.
Funcional por duas décadas. Foi extinta em 1945, transformando-se no
Curso de Administração Escolar do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG),
que deu origem, em 1972, ao Curso de Pedagogia (hoje integrado à UEMG, mas
naquela época fazia parte do IEMG).
Referências
MALARD, Léticia. No vasto mundo de Drummond. Belo Horizonte: UFMG, 2005
RODRIGUES, Rita Lages. Entre Bruxelas e Belo Horizonte:
Itinerários da escultora Jeanne Louise Milde. Belo Horizonte: C\Arte e FACE
FUMEC, 2003.
As
moças da Escola de Aperfeiçoamento
Carlos Drummond de
Andrade
São cinquentas, são duzentas
São trezentas
as professorinhas que invadem
a desprevenida Belô?
são cento e cinquenta, ou mil
as boinas azuis e verdes
e róseas alaranjadas
e negras e também roxas,
os lábios coracionais
e os tons pauce petulantes
que elas ostentam, radiosas?
De onde vêm essas garotas,
eu que sei?
Vêm de Poços de Caldas, de São João
Del Rei, Juiz de Fora, Lavas
Leopoldina, Itajubá,
Montes Claros, Minas Novas,
cidades novas de Minas
Ainda não cadastradas
no índice corográfico
do Pelicano Frade?
E são assim tão modernas,
Tão chegados de Paris
par le dernier bateau
ancorado na avenida
Afonso Pena ou Bahia
que a gente não as distingue
das melindrosas cariocas
em férias mineiras?
Que vêm fazer essas jovens?
Vêm descobrir, saber coisas
de Decroly, Clararède,
novidades pedadógicas
segredos de arte e de técnica
revelados por Helène
Antipoff, Madame Artus
Mademoiselle Milde, mais quem?
Ou vêm para perturbar
se passível mais ainda
a precária paz de espírita
dos estudantes vadias
(eu um deles)
que só querem declinar
os tempos irregulares
de namorar e de amar?
Aí, o mal que faz a Minas
A nós, pelo menos, frágeis
irresponsáveis, dementes
Cultivadores da área
flor feminina fechada
em pétala de reticência
a Escola novidadeira!
A gente não dava conta
de tanto impulso maluco
doridamente frustrado
ante a pétrea rigidez
dos domésticos presídios
onde vivem clausuradas
as meninas de Belô
e irrompe essa multitude
de boinas, bocas, batons,
escarlates, desafiando
a nossa corda sensível
que faz Mario Casassanta
autoridade do ensino
que não devolve essas moças
a seus lugares de origem?
Chamo seu Edgarzinho,
responsável pela Escola
que ponha reparo – peço-lhe –
nas crianças do interior
que ficaram sem suas mestras
convém destituí-las logo
à tarefa habitual
Ele responde: “São ordens
Do doutor Francisco Campos
nosso ilustre Secretário
Vá-se embora, não ínsita
Em perturbar nossos planos
racionais”
Vou me embora. Já na esquina
A boina azul me aparece
sob o azul universal
que faz de Belô um céu
pousado em pelúcia verde
Sua dona, deslizante
entre forma costumeiras
é diferente de tudo
e não olha para mim
e não olha para mim
deslumbrado, derrotado,
que vou bobeando assim
Não há professora feia?
Pode ser que haja. A vista
até onde o sonho alcança
cinge a todos de beleza,
e a beleza, disse alguém,
é mortal como um punhal.