Esta não é uma história minha, mas eu vi o início, o meio
e o fim dessa pequena tragédia pedagógica. E a moral é clara: comprar uma briga
com um bando de alunos da quinta série (hoje, sexto ano) pode gerar
consequências geográficas que duram anos.
Nosso protagonista era um professor de Geografia — não
direi o nome, nem o local, para evitar que o pobre homem tenha seu nome
indexado na busca do Google ao lado da Venezuela. O que posso revelar é que o
mestre não era a pessoa mais paciente do mundo. Era do tipo que enxergava o
programa escolar como uma linha férrea: qualquer desvio era um descarrilamento.
Estávamos no final de março, época das primeiras provas.
A rotina era a mesmice gloriosa de qualquer escola: professores correndo para
bater o conteúdo, alunos contando os minutos para o recreio. O professor em
questão fazia uma revisão sobre a Estrutura da Terra, quando a Maria Clara, uma
aluna com ares de detetive, resolveu agir.
— Professor, o que é o Relâmpago do Catatumbo?
A sala inteira parou. O silêncio que se seguiu não era de
dúvida, mas de expectativa. Todos olhavam para o mestre como se ele estivesse
prestes a ser desmascarado.
O professor, que naquele dia não estava com a menor
disposição para curiosidades extraconcurriculares, franziu a testa.
— Não sei do que se trata, Maria Clara. Voltaremos ao
magnetismo terrestre.
A sala explodiu em indignação silenciosa. Ora, o Globo
Repórter havia feito um programa inteiro sobre o tal Relâmpago. Em uma
época em que a televisão ainda era a grande unificadora cultural, não saber
sobre a "fábrica de raios" do planeta — um fenômeno atmosférico tão
insólito e duradouro sobre o Rio Catatumbo — era quase um atestado de
alienação. Para eles, era um fenômeno tão fundamental quanto a Aurora Boreal ou
o ciclo da água.
A notícia, claro, viralizou. Não pela internet, que ainda
era discada, mas pelo bom e velho telefone sem fio do recreio. Na semana
seguinte, na quinta série "A", o João Pedro levantou a mão:
— Professor, o que é o Relâmpago do Catatumbo?
O mestre bufou. A repetição já o irava.
— Já disse que não sei e não vou perder meu tempo com
isso.
O ciclo se repetiu, sala após sala, semana após semana. O
que era indiferença no início, logo se tornou raiva. O professor percebeu que
aquilo era uma "trolagem" arquitetada pelos alunos. E, em vez de usar
seu intelecto (que ele certamente tinha) e seu humor (que estava em falta) para
desarmar a brincadeira, ele explodiu. Gritava, batia na mesa, ameaçava sair da
sala e nunca mais voltar.
O professor havia cometido o erro fatal de um educador:
ceder à teimosia de um garoto de doze anos.
A história não parou ali. O Relâmpago do Catatumbo ganhou
ares de lenda urbana escolar. No ano seguinte, o irmão mais novo do João Pedro,
já avisado sobre o "botão de pânico" do professor, fez a pergunta
novamente na sua quinta série.
O professor, já amargurado pela perseguição, explodiu. A
"briga" deixou de ser com os alunos atuais para se tornar um legado.
A pergunta passou a ser um rito de passagem: a nova turma herdava a missão de,
em algum momento da aula de Geografia, questionar o mestre sobre o fenômeno
venezuelano, só para ver o circo pegar fogo.
A brincadeira durou anos. O professor ficou para sempre
marcado por sua intransigência. Ele foi, ironicamente, transformado no avesso
de um geógrafo: um homem que se recusava a saber sobre um dos fenômenos mais
curiosos da Terra.
E assim, a lição de que o Relâmpago do Catatumbo existe
não foi dada pelo professor, mas pelo silêncio obstinado de uma sala de aula. O
mestre, com sua pouca paciência, acabou, sem querer, criando um novo item fixo
no programa escolar: o temível Catatumbo, o fenômeno que, embora distante na
Venezuela, o perseguiu ano após ano, sala após sala, numa teimosia quase tão
incansável quanto a descarga elétrica sobre a foz do rio. E essa, meus amigos,
é a prova de que a única coisa mais imprevisível que o clima é a inteligência
de um bando de garotos entediados.

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