domingo, 12 de outubro de 2025

Minas e a Educação: uma breve consideração histórica (Ronaldo Campos)

 





 


Ao folhear as páginas da história da educação em Minas Gerais, um leitor desavisado poderia jurar que o ano de 1906 marcou o "big bang" das escolas por aqui. Afinal, as primeiras "instituições" (ainda sem nome, numeradas como "Primeiro Grupo Escolar", "Segundo Grupo", e por aí vai, antes de ganharem batismos mais solenes como "Barão do Rio Branco", “Afonso Pena”, “Olegário Maciel”, etc) e a gloriosa Escola Normal Modelo (hoje Instituto de Educação) surgiram no início do século XX. Mas, como em toda boa trama mineira, a história é bem mais intrincada, e suas raízes mergulham fundo no passado colonial.

Esqueça a linearidade, a progressão suave. O caminho da educação em Minas é um mapa salpicado de recomeços e rupturas, uma paisagem acidentada como as próprias serras do estado.

 

 

Primórdios ou Quando Minas Ignorava a Cartilha Europeia

 

No século XVIII europeu, a escola já era vista como um investimento social de peso, o berço de um novo ethos, de condutas civilizadas, saberes escolares e até de um patriotismo recém-cunhado. Enquanto isso, na Capitania de Minas, a realidade era outra. Até meados do século XVIII, o cenário educacional era um verdadeiro deserto. Mas por que tamanha aridez?

A colonização tardia, movida pela febre do ouro no final do século XVII, explica parte do mistério. A Coroa portuguesa, com sua política de "olho vivo", proibiu a instalação de ordens religiosas na capitania, o que, de quebra, engavetou a ação pedagógica dos jesuítas, exímios construtores de colégios. Some-se a isso o número ínfimo de mulheres no início do ciclo da mineração – o que significa poucas famílias estabelecidas – e a própria natureza da população, mais interessada no brilho fácil do ouro do que nos valores da cultura letrada ou na educação dos filhos. Uma gente, digamos, "rude e desprovida de interesse pedagógico".

 

 

Das Escolas Domésticas ao Seminário de Mariana

 

A ausência de escolas institucionalizadas, porém, não significou um vácuo educacional total. As chamadas "escolas domésticas" cumpriam seu papel, com mães alfabetizadoras e "tios-padres" encarregados das primeiras letras. A elite, claro, seguia o roteiro: depois das noções básicas, o caminho era o Rio de Janeiro ou a Bahia, para os educandários jesuítas, e, para os mais afortunados, Coimbra, onde aterrissavam como padres ou doutores.

O jogo começou a virar a partir de 1750, um marco: a fundação do Seminário de Mariana. Por muito tempo, foi o único farol educacional para a juventude mineira, destinado a formar clérigos e preparar jovens para Coimbra. No fim do século XVIII, surgiram outras iniciativas, mais modestas, como o Colégio do Semidouro (para meninos), o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas e o Recolhimento São João da Chapada (ambos para moças). E, em 1835, a serra do Caraça viu nascer o famoso colégio dos padres lazaristas, que mais tarde daria origem a uma escola apostólica e um seminário.

 

 

Pombal, Jesuítas e Aulas Avulsas: A Saga de um Ensino Disperso

 

As reformas pombalinas (1759-1772) trouxeram consigo a fatídica expulsão dos jesuítas, um golpe duro para a educação em outras partes do Brasil onde eles comandavam centros escolares. Em Minas, a repercussão foi menor, já que os jesuítas não haviam fincado raízes educacionais por aqui. Seminários e colégios de outras ordens (Oratorianos, Franciscanos e Carmelitas) seguiram existindo.

O Marquês de Pombal, porém, também idealizou as "aulas régias ou avulsas" de Latim, Grego, Filosofia e Retórica. Eram cursos isolados, sem articulação entre si, ministrados por um único professor. Quase trinta anos depois, o Estado português criou o cargo de Diretor Geral dos Estudos para fiscalizar e nomear professores na colônia, mas a medida não decolou. A educação patinou. Em 1772, veio o "subsídio literário", para bancar o ensino primário e secundário. No entanto, o ensino brasileiro continuou disperso, fragmentado, dependendo de professores leigos e, muitas vezes, despreparados.

 

 

O Século XIX: Cidadania na Sala de Aula e a Lei 13

 

Apesar de todos os percalços, o século XIX trouxe uma virada: a escola passou a ser vista como a grande formadora de cidadãos e de comportamentos coletivos. Essas novas expectativas ecoaram no Brasil, gerando um debate e uma enxurrada de leis para normatizar o sistema educacional e definir políticas públicas.

Em Minas Gerais, a primeira legislação da instrução primária, a Lei número 13 de 28 de março de 1835, estruturou a organização do ensino elementar, instituiu a obrigatoriedade da frequência às aulas e lançou as bases para a formação de professores. A primeira escola normal de Minas, em Ouro Preto, em 1840, teve uma vida intermitente, abrindo e fechando as portas até se firmar definitivamente em 1872.

No Império, a política educacional era, para usar um eufemismo, "descontínua". Faltava um sistema que unificasse as práticas docentes e que investisse de forma sistematizada na instrução pública. O ensino era um mosaico de salas de aula esparsas, sem um fio condutor.


 

 

O Grupo Escolar: Uma Revolução Pedagógica do Campo à Cidade

 

A historiadora Lage nos revela que os primeiros grupos escolares no Brasil, inspirados em modelos europeus e americanos de educação popular, nasceram em São Paulo no final do século XIX. A proposta era radical: reunir escolas isoladas em um "agrupamento", transformando o cenário educacional nacional.

Segundo Saviani (2004), o Grupo Escolar foi um fenômeno tipicamente urbano, enquanto o campo ainda teimava em manter suas escolas isoladas. Eram, sobretudo, eficientes na seleção e formação de elites, com a educação para as massas populares ganhando fôlego apenas com a reforma paulista de 1920.

Esses grupos escolares, também conhecidos como "escolas graduadas", revolucionaram a pedagogia:

  • Classificação dos alunos: Por nível de conhecimento, em turmas supostamente homogêneas (as "classes").
  • Ensino simultâneo: Conteúdos organizados e distribuídos de forma racional, com horários definidos.
  • Sistema de avaliação: Introduzido para medir o progresso.
  • Divisão do trabalho docente: Cada sala, uma série, um professor.
  • Edifício escolar: Um conceito novo, com várias salas de aula.

O ensino primário durava quatro anos, com um currículo enciclopédico que buscava a formação integral: física, intelectual e moral. Utilizava o método intuitivo, com materiais didáticos, laboratórios e museus. Exigia disciplina férrea: assiduidade, asseio, ordem, obediência. E o tempo escolar era rigidamente controlado por calendários. Práticas "ritualizadas" e "simbólicas" como exames, exposições e festas cívicas marcavam o ano letivo.

Mais do que instruir, o grupo escolar tinha um projeto cultural para a nação, educando o caráter através da disciplina social – obediência, asseio, pontualidade, amor ao trabalho, honestidade e respeito às autoridades. Valores essenciais para forjar o espírito de nacionalidade.

O sucesso foi tamanho que o modelo se espalhou pelo Brasil como um rastilho de pólvora: Rio de Janeiro (1897), Pará (1899), Paraná (1903), Minas Gerais (1906), Rio Grande do Norte e Espírito Santo (1908), Mato Grosso (1910), Santa Catarina e Sergipe (1911), Paraíba (1916), Piauí (1920), entre outros. Minas Gerais, nesse grande mapa da educação nacional, foi uma das primeiras a aderir, plantando as sementes do que se tornaria seu robusto sistema educacional. E assim, a história da educação mineira, complexa e cheia de curvas, continua a ser escrita.

Para os interessados, algumas indicações de leitura que nortearam o texto:

 

 

SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do “longo século XX” brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval (et. al.). O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004

 

SOUZA, Rosa Fátima de. Lições da escola primária. In: SAVIANI, Dermeval ( et. al.). O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004

 

____________________. Templos de civilização. A implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo ( 1890-1910)São Paulo: UNESP, 1998.

 

VIDAL, Diana Gonçalves (org.). Grupos escolares. Cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil ( 1893-1971). Campinas, SP: Mercado das Letras, 2006

 

VIDAL, Diana Gonçalves. Culturas escolares. Estudo sobre práticas de leitura e escrita na escola pública primária ( Brasil e França, no final do século XIX). Campinas, SP: Autores Associados, 2005

 

 


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