
Sou professor há mais de trinta anos. E, em face das
modernidades interconectadas, algumas lembranças surgem e me fazem pensar o
quão rápido o tempo anda passando. Por exemplo, lembro de folhear os álbuns de
fotografias e me deparar com aquela foto clássica: toda a turma com o seu
professor no pátio da escola ou na sua própria sala de aula. Sempre havia uma
plaquinha com o nome da escola, a turma e o ano. Isso acontecia provavelmente
porque a escola não era só um prédio, era um marco na vida, e a fotografia da
turma, ah, essa era o selo, o atestado da passagem. Não era um mero clique, mas
um ritual solene, quase um juramento silencioso.
Eu tenho que confessar que também tenho uma foto dessa. A
minha foi tirada no dia da minha formatura em Filosofia na Fafich\UFMG. Eu
levei a máquina e pedi a minha tia para fazer a foto. Estão lá eles, os
alunos, enfileirados como pequenos soldados da civilidade, raramente sorrindo,
porque a seriedade era a virtude da época. Nas fotos que via antigamente os
mais baixos ficavam na frente, sentados no chão ou em banquinhos. Os do meio,
nas cadeiras, e os mais altos, ou os maiores, em pé, lá atrás. E no centro,
invariavelmente, estava ele ou ela: o Professor, com sua postura
austera e o olhar que misturava autoridade e a esperança de ver aquelas
sementes florescerem. Na minha foto, tirada no dia da formatura, no auditório
Baesse (um grande professor que morreu de forma trágica e prematuramente),
estamos todos em pé. Os meus colegas de sala e os professores Newton
Bignotto, Terea Calvet de Magalhães, Telma de Souza Birchal. Essa foto é um
trofeu. Como queria ter uma com os meus colegas e professores do curso de
história. E do ensino médio! As fotos que tenho sáo poucas. Tenho aquela
sentado na mesa com o mapa mundi, livros e bandeira do brasil. tirada na minha
infância. Tenho uma foto só da minha formatura de história. Hoje nos tempos de
instagram isso parece algo impossível.
Se hoje vivemos submersos em um mundo de pura imagem, antigamente,
a fotografia de turma não era apenas um instantâneo; era a solenidade
emoldurada. Um ritual que marcava, com precisão histórica, a travessia de
um ciclo vital: o ano escolar.
A cena era sempre a mesma, ditada por um protocolo não
escrito: os alunos dispostos em fileiras minuciosas – os mais miúdos sentados
no chão, à frente; os medianos nas carteiras; e os maiores, em postura ereta,
ao fundo. No centro dessa formação, qual epicentro da disciplina e do saber,
estava o Professor. Sua pose, sempre austera, misturava a
responsabilidade da autoridade com a esperança silenciosa que todo educador
deposita no futuro.
O significado desse registro coletivo transcende a
simples recordação e se divide em três pilares fundamentais:
1. O Selo Institucional: A foto, muitas vezes ostentando uma plaquinha com o nome da escola, a
turma e o ano, era a prova material do trabalho da instituição. Ela atestava o
cumprimento de sua missão: formar cidadãos. Era o documento visual que dizia à
comunidade e à história: "Esta é a colheita do nosso esforço".
2. A Identidade Coletiva: Longe do individualismo, a imagem consolidava o espírito de corpo
daquela classe. Todos os rostos, em sua seriedade quase obrigatória, reforçavam
a unidade e a adesão às normas de conduta da época. A postura contida era a
expressão do comportamento "desejável", um testemunho da civilidade
incutida pela escola.
3. O Portal da Afetividade: Mais que um registro formal, a foto era o elo mais terno
com o passado. Guardada nos álbuns de família, ela carregava vestígios
preciosos: o uniforme impecável, o corte de cabelo da moda, o quadro negro como
cenário. Com o tempo, esses detalhes se transformam em portais de memória,
acionando a saudade das amizades, do cheiro da sala de aula e da figura
imponente do mestre.
Por isso, ao depararmo-nos com uma dessas imagens – em
preto e branco ou no tom nostálgico do sépia –, sentimos mais do que a passagem
do tempo. Sentimos o eco de uma geração inteira, a solenidade de um compromisso
e a certeza de que a foto de turma é, essencialmente, a moldura em que a
memória insiste em eternizar o tempo que se foi. É o troféu de um ciclo,
insubstituível na era dos clicks instantâneos.
É por isso que, ao encontrarmos uma dessas fotos antigas,
sentimos um eco. Não vemos apenas rostos distantes; vemos a história de uma
geração, a solenidade de um tempo e, no semblante sério do Professor, o peso e
a honra de ser o guardião do futuro que eles, ali, enfileirados, estavam
prestes a construir. A foto da turma é, e sempre foi, a moldura do tempo que
insiste em não passar.
Em tempo, quero deixar registrado que esse texto foi pensado depois de tanto procurar e não
encontrar esse único registro de uma época que foi fundamental na minha
formação. Queria mostrar para os meus alunos pois vamos fazer uma foto com toda a turma na Praça da Liberdade para a gincana que irá concluir as atividades pedagógicas do quarto bimestre.
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