Meu nome é Ronaldo Campos. Eu me considero um professor
quase jurássico. São mais de trinta anos de experiência: do fundamental um até
a pós-graduação, eu já atuei. Por isto, me considero um dinossauro com giz nas
mãos e uma paciência de Jó para o Ensino Fundamental e Médio.
Historiador de alma e professor de ofício, carrego uma
longa jornada no magistério, mas sei que a história de verdade, a que faz o
olho do aluno brilhar, é aquela que sai do livro e entra no bolso.
Eis que, certa manhã, numa das salas do Instituto de
Educação, tentava injetar algum ânimo na Segunda Revolução Industrial para a
turma do segundo ano. Falávamos de aço, eletricidade, Fordismo na Europa, EUA
e, vejam só, Japão. A coisa estava morna até que, por um desvio natural da
juventude, caímos no abismo da economia prática: afinal, o que é caro? O que é
barato?
"Professor," perguntou a Júlia, com aquela
seriedade que só os dezessete anos permitem, "o que o senhor considera
caro para o senhor?"
Ah, a armadilha. Mas eu tinha a resposta pronta, um
truque antigo para desarmar a relatividade da vida: "Eu calculo em horas
de trabalho, Júlia. Se eu tenho que trabalhar muitas horas para pagar, é caro.
Se são poucas, é barato. Simples assim."
A sala se animou. Eu havia, finalmente, rompido a bolha
do 1850 para a carteira deles. A discussão ganhou entusiasmo até o momento em
que eu precisava de um bode expiatório, uma figura tão distante da nossa
realidade que a exposição seria inofensiva.
Lembrei-me dele. O galã do telejornal, o ícone do bom
humor matinal que vivia nas redes.
Evaristo Costa criou suas contas em maio de 2016 e, em
pouco tempo, se tornou um fenômeno da internet por causa do seu bom humor,
sinceridade e interação constante com os seguidores. Ele chegou a postar mais
de mais de 100 tweets durante uma única edição de sábado
do Jornal Nacional (em outubro de 2016), interagindo com o
público ao vivo a partir do seu celular. Era o rei do bom humor. As suas
respostas rápidas, como emprestar gravatas ou usar memes, fizeram com que ele
se tornasse uma "figura carimbada" e um dos assuntos mais comentados
nessa época.
"Vamos a um exemplo hipotético, meninos. Um mergulho
na fantasia capitalista! Imaginem o jornalista Evaristo Costa," eu
comecei, gesticulando. "Na época, ele estava na Globo, no Jornal
Hoje, uma figura carimbada, longe da minha humilde realidade, da nossa
humilde realidade. Digamos que ele ganhe setenta mil reais por mês."
Deixei a cifra pairar no ar, observando o leve tremor de
cobiça nos olhos.
"O Evaristo precisa de um terno novo, elegante, de
boa marca. Ele vai à Brooksfield e escolhe um de lã fria Super 120’s. Custo?
Digamos, R$ 2.400,00."
Eu passei a mastigar os números no quadro, com a pompa de
um economista. Calculei a média de horas de trabalho de um funcionário de alto
escalão com folga — 20 horas semanais, afinal, ele era um apresentador de TV.
Cheguei ao seu valor por hora: R$ 817,76.
"Vejam bem," eu triunfei, apontando para a
divisão no quadro. "Para saber quantas horas o Evaristo precisa trabalhar
para pagar o terno, é uma conta direta: R$ 2.400 dividido por R$ 817,76. O
resultado, meus caros? 2,93 horas!"
O murmúrio se espalhou. Menos de três horas.
"Portanto," concluí, com meu melhor sorriso
professoral, "para o Evaristo Costa, um terno de R$ 2.400 da Brooksfield é
extremamente barato! Ele pode comprar um de cada cor e ainda pagar a gravata
com o troco de um intervalo de cinco minutos."
Para fechar o raciocínio, e infelizmente para provar que
o terno era caro para nós, eu ia perguntar a uma aluna sobre sua
renda familiar, quando a voz grave e inconfundível do fundo da sala me
interrompeu. Era o Pedro.
Com o celular na mão e um sorriso maroto, ele sentenciou:
"Professor, o Evaristo disse para o senhor dar a sua
aula e parar de falar bobagem."
A sala inteira explodiu em gargalhadas. Eu ri junto, um
riso nervoso de quem acaba de ser nocauteado pela modernidade.
"Como assim, Pedro?", perguntei, tentando
manter a compostura acadêmica.
"Temos um problema, professor. Eu tuitei para ele,
perguntando. Eu disse que o senhor afirmou que ele gastava R$ 2.400,00 em duas
peças de roupa."
Todo o meu esforço virou uma noticia bombástica iguais
aquelas que o Alessandro Lobianco apresenta no programa da Sônia Abrão. Naquele
instante, enquanto o sorriso irônico do Pedro tomava conta de toda a sala, nem
pensei em verificar se de fato o Evaristo Costa tinha respondido com
tanta prontidão. Independentemente, da resposta ter sido dada pelo jornalista
global, percebi que a Terceira Revolução Industrial não era mais sobre
automação, mas sobre a exposição total. O hipotético simplesmente sumiu de vez.
A esfera pública absorveu a privada, e a minha aula de História de 1850 tinha
sido atropelada pelo tweet de 2016.
O Evaristo Costa, de quem eu nem sabia o real salário,
havia sido invocado de seu posto no Projac para desmentir a minha pedagogia na
antiga Escola Normal Modelo de Belo Horizonte.
Eu, Ronaldo Campos, o historiador, acabei de ter minha
primeira (e humilhante) lição sobre a velocidade da informação. E o terno de lã
fria, caro ou barato, agora era apenas o fantasma de uma mentira na
internet. A única certeza é que, de agora em diante, nas minhas aulas de
história, os meus exemplos seriam sobre Tiradentes, José Bonifácio ou D. Pedro
II. Eles, pelo menos, não têm Twitter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário