segunda-feira, 6 de outubro de 2025

O Terno de Lã Fria e a Nova Revolução Industrial - texto de Ronaldo Campos

Meu nome é Ronaldo Campos. Eu me considero um professor quase jurássico. São mais de trinta anos de experiência: do fundamental um até a pós-graduação, eu já atuei. Por isto, me considero um dinossauro com giz nas mãos e uma paciência de Jó para o Ensino Fundamental e Médio. 

Historiador de alma e professor de ofício, carrego uma longa jornada no magistério, mas sei que a história de verdade, a que faz o olho do aluno brilhar, é aquela que sai do livro e entra no bolso.

Eis que, certa manhã, numa das salas do Instituto de Educação, tentava injetar algum ânimo na Segunda Revolução Industrial para a turma do segundo ano. Falávamos de aço, eletricidade, Fordismo na Europa, EUA e, vejam só, Japão. A coisa estava morna até que, por um desvio natural da juventude, caímos no abismo da economia prática: afinal, o que é caro? O que é barato?

"Professor," perguntou a Júlia, com aquela seriedade que só os dezessete anos permitem, "o que o senhor considera caro para o senhor?"

Ah, a armadilha. Mas eu tinha a resposta pronta, um truque antigo para desarmar a relatividade da vida: "Eu calculo em horas de trabalho, Júlia. Se eu tenho que trabalhar muitas horas para pagar, é caro. Se são poucas, é barato. Simples assim."

A sala se animou. Eu havia, finalmente, rompido a bolha do 1850 para a carteira deles. A discussão ganhou entusiasmo até o momento em que eu precisava de um bode expiatório, uma figura tão distante da nossa realidade que a exposição seria inofensiva.

Lembrei-me dele. O galã do telejornal, o ícone do bom humor matinal que vivia nas redes.

Evaristo Costa criou suas contas em maio de 2016 e, em pouco tempo, se tornou um fenômeno da internet por causa do seu bom humor, sinceridade e interação constante com os seguidores. Ele chegou a postar mais de mais de 100 tweets durante uma única edição de sábado do Jornal Nacional (em outubro de 2016), interagindo com o público ao vivo a partir do seu celular. Era o rei do bom humor. As suas respostas rápidas, como emprestar gravatas ou usar memes, fizeram com que ele se tornasse uma "figura carimbada" e um dos assuntos mais comentados nessa época.

"Vamos a um exemplo hipotético, meninos. Um mergulho na fantasia capitalista! Imaginem o jornalista Evaristo Costa," eu comecei, gesticulando. "Na época, ele estava na Globo, no Jornal Hoje, uma figura carimbada, longe da minha humilde realidade, da nossa humilde realidade. Digamos que ele ganhe setenta mil reais por mês."

Deixei a cifra pairar no ar, observando o leve tremor de cobiça nos olhos.

"O Evaristo precisa de um terno novo, elegante, de boa marca. Ele vai à Brooksfield e escolhe um de lã fria Super 120’s. Custo? Digamos, R$ 2.400,00."

Eu passei a mastigar os números no quadro, com a pompa de um economista. Calculei a média de horas de trabalho de um funcionário de alto escalão com folga — 20 horas semanais, afinal, ele era um apresentador de TV. Cheguei ao seu valor por hora: R$ 817,76.

"Vejam bem," eu triunfei, apontando para a divisão no quadro. "Para saber quantas horas o Evaristo precisa trabalhar para pagar o terno, é uma conta direta: R$ 2.400 dividido por R$ 817,76. O resultado, meus caros? 2,93 horas!"

O murmúrio se espalhou. Menos de três horas.

"Portanto," concluí, com meu melhor sorriso professoral, "para o Evaristo Costa, um terno de R$ 2.400 da Brooksfield é extremamente barato! Ele pode comprar um de cada cor e ainda pagar a gravata com o troco de um intervalo de cinco minutos."

Para fechar o raciocínio, e infelizmente para provar que o terno era caro para nós, eu ia perguntar a uma aluna sobre sua renda familiar, quando a voz grave e inconfundível do fundo da sala me interrompeu. Era o Pedro.

Com o celular na mão e um sorriso maroto, ele sentenciou:

"Professor, o Evaristo disse para o senhor dar a sua aula e parar de falar bobagem."

A sala inteira explodiu em gargalhadas. Eu ri junto, um riso nervoso de quem acaba de ser nocauteado pela modernidade.

"Como assim, Pedro?", perguntei, tentando manter a compostura acadêmica.

"Temos um problema, professor. Eu tuitei para ele, perguntando. Eu disse que o senhor afirmou que ele gastava R$ 2.400,00 em duas peças de roupa."

Todo o meu esforço virou uma noticia bombástica iguais aquelas que o Alessandro Lobianco apresenta no programa da Sônia Abrão. Naquele instante, enquanto o sorriso irônico do Pedro tomava conta de toda a sala, nem pensei em verificar se de fato o  Evaristo Costa tinha respondido com tanta prontidão. Independentemente, da resposta ter sido dada pelo jornalista global, percebi que a Terceira Revolução Industrial não era mais sobre automação, mas sobre a exposição total. O hipotético simplesmente sumiu de vez. A esfera pública absorveu a privada, e a minha aula de História de 1850 tinha sido atropelada pelo tweet de 2016.

O Evaristo Costa, de quem eu nem sabia o real salário, havia sido invocado de seu posto no Projac para desmentir a minha pedagogia na antiga Escola Normal Modelo de Belo Horizonte.

Eu, Ronaldo Campos, o historiador, acabei de ter minha primeira (e humilhante) lição sobre a velocidade da informação. E o terno de lã fria, caro ou barato, agora era apenas o fantasma de uma mentira na internet. A única certeza é que, de agora em diante, nas minhas aulas de história, os meus exemplos seriam sobre Tiradentes, José Bonifácio ou D. Pedro II. Eles, pelo menos, não têm Twitter.


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